30 anos a desperdiçar o que agora é um “desígnio”. E o Mar aqui tão perto!
Nestes últimos anos, muito se tem falado do Mar. “O Mar como desígnio nacional” foi a frase escolhida como slogan por alguém que escreve discursos para dirigentes. Digo por alguém, pois das duas uma; ou quem sabemos está mesmo… (falta-me o termo), ou foi alguém que a escreveu pelo dirigente. Alguém muito novo que não deve ter memória do que esse mesmo dirigente fez ao Mar nacional, desprezando-o e desmantelando todas, sublinho, TODAS, as infraestruturas que transformavam o Mar nacional em valor.
Esse valor era residual, na altura, é verdade, mas era valor e já existiam infraestruturas, e mais importante, pessoas que o transformavam em sustento e dinheiro, logo em economia e mais-valias para Portugal. Perderam-se quase 30 anos. 30 anos de desenvolvimento, consolidação e exploração do que agora é o nosso “desígnio”!? Perdeu-se a oportunidade de durante 30 anos se criar uma estratégia para as pescas, recursos submarinos, trânsito marítimo, construção naval (profissional e de recreio), turismo náutico, náutica de recreio. De igual forma nunca se trabalhou no sentido de criar legislação actual e adequada ao desenvolvimento para cada uma destas áreas.
A desculpa de que somos um país pequeno e periférico é e sempre foi uma falsa questão. Foi antes uma desculpa para não se fazer, para não se criar condições. A Holanda é bem mais pequena do que Portugal (é sensivelmente do tamanho do Alentejo e do Algarve, juntos) e isso não a impede de se afirmar como referência económica, cultural e social na Europa e ainda como referência como potência que explora correctamente os seus recursos marítimos e náuticos.
E o periférico? Não será uma mais-valia no que ao Mar diz respeito? Somos periféricos, sim, mas com ligação directa ao Atlântico e com ilhas no meio desse enorme Mar. E se somos a principal porta de entrada na Europa, por via marítima, de produtos ilícitos (nomeadamente de estupefacientes) não será que o poderíamos ter vindo a ser, nos 30 anos que entretanto passaram, de todos os outro milhões de produtos lícitos?
Há várias parábolas e metáforas que me chegam à ponta dos dedos, enquanto escrevo estas linhas, mas a que se destaca nesta verborreia mental e escrita, quase uma indignação, é uma estória árabe sobre um homem rico e um homem pobre. É mais ou menos isto: “Um pobre caminhava pelas ruas de uma medina a pedir esmola quando se deparou com um homem ricamente vestido que chorava copiosamente enquanto se lamentava do seu infortúnio. Ao ver este homem de vestes sumptuosas a lamentar-se e a chorar, frente à sua loja que era a maior e melhor de toda a medina, o pobre num gesto solidário perguntou se o poderia ajudar. “Não” – respondeu o homem rico – “não há nada que possa fazer para me ajudar, pois perdi irremediavelmente um jóia de grande valor”. “Mas que jóia tão valiosa perdeu que não possa comprar outra vez, pois vejo que é um homem muito rico” – perguntou o homem pobre. “Não posso, esta nunca mais a poderei recuperar. Era uma jóia com 24 lados cobertos pelo mais fino jade e madrepérola. Em cada um dos 24 lados estavam incrustadas placas de ouro que tinham cada uma 60 diamantes dos mais puros e a rodear esses diamantes encontravam-se 60 esmeraldas”. “Percebo” – disse o homem pobre – devia ser muito valiosa. E como se chamava essa jóia tão especial? O seu nome era: Dia! Foi um dia que eu perdi. Um dia inteiro. E esse dia nunca mais o poderei ter nem viver. Perdi a oportunidade de viver um dia inteiro, de fazer coisas durante esse dia. De ver a minha família, de trabalhar para desenvolver mais o meu negócio, para estar com os amigos.Esse dia nunca mais o viverei, nem as oportunidades que nele estavam encerradas”.
Pergunto: Quantos dias são 30 anos?
Bons ventos, boas marés e bom trabalho.
Vasco Macide
Editor Náuitico da Absolute Motors