Triste realidade
Foram ontem revelados pela ANSR os dados estatísticos relativos à sinistralidade rodoviária em Portugal durante o ano que passou. Deixando para cada qual a interpretação dos dados no mesmo contidos, deparou-se-me, ainda assim, a oportunidade para meditar sobre duas questões com esta problemática relacionadas – uma directamente, a outra nem tanto, mas nem por isso, a meu ver, menos pertinente.
Desde logo me parece padecer este relatório de uma lacuna grave – continuarem a não serem os números pelo mesmo apresentados cruzados com o volume de tráfego registado no mesmo período de tempo, mais ainda na fase que atravessamos, em que as dificuldades por que a maioria dos portugueses passa terá levado muitos a reduzir, ou mesmo a abdicar, do uso do seu automóvel. E porquê? Porque esse é um factor que pode ser decisivo para as conclusões a extrair da análise do relatório.
Obviamente que qualquer diminuição do número de acidentes e vítimas terá sempre de ser positiva – afinal, o que está em jogo são vidas humanas. Mas poderá ser abusivo extrair-se daqui a conclusão de que estamos no “bom caminho” nesta matéria, que os passos necessários e correctos estão a ser dados em áreas como a formação, a prevenção, a alteração dos comportamentos dos utilizadores da via pública (condutores e peões) e, até, a fiscalização (a todos os níveis, inclusive no que diz respeito às renovações das cartas dos mais idosos). Tenho a convicação que assim não será, do mesmo modo que me parece que a degradação das condições de algumas vias, a par do envelhecimento que o parque automóvel português tem vindo a registar, nada de bom acarretam, tão pouco, neste domínio. Não será demais lembrar que, por absurdo, e no limite, se não circularem quaisquer veículos na via pública, dificilmente exisitirão acidentes rodoviários…
Por outro lado, e apesar de alguns progressos que nesse particular se tenham vindo a registar, continuam a afligir-me os números relativos aos atropelamentos em Portugal. Prova cabal do muito que está por fazer pela educação dos peões, indubitavelmente o elo mais fraco da cadeia. Mas não será menos impressionante o autêntico caos que continua instalado, nomeadamente em Lisboa, ao nível do estacionamento. Parece que, com o passar dos anos, e a transferência de algumas competências nesta matéria para as empresas municipais que gerem o estacionamento à superfície, passou a ser mais prioritário o controlo do pagamento do dito, do que a fiscalização do estacionamento indevido em segunda fila, em cima de passeios, curvas, cruzamentos, passadeiras – basicamente, onde a conveniência decorrente do egoísmo e falta de civismo dos prevaricadores o ditar.
Acredito que, aqui, as determinações emanadas pelas instâncias superiores representem boa parte da solução (ou falta dela…) para o problema. Como acredito que muitas mais vidas poderiam ser salvas com uma fiscalização eficaz destas situações do que com operações de controlo de velocidade realizadas com agentes “emboscados” nos locais mais inimagináveis, em vias com boa visibilidade e reduzida ou nula circulação de peões. Não sei se alguma lógica economicista presidirá às decisões de quem tem competências nesta matéria. Mas também sou do tempo em que, para passar uma multa de estacionamento, e até para chamar um reboque, não era preciso a um agente da PSP ter no braço uma braçadeira vermelha. Desconhecendo quais as instruções que cada qual recebe, e sabendo bem das dificuldades por que passam os agentes da autoridade em geral no seu trabalho, nem por isso é menos chocante estar lado a lado com um veículo das forças da ordem, mesmo que identificado como pertencente a uma qualquer “divisão de trânsito”, e ver que nada é feito para acabar com este flagelo, mesmo nas situações mais evidentes e aberrantes. Prioridades…
António de Sousa Pereira
Director da Absolute Motors
apereira@absolute-motors.com