É difícil ser taxista
Os tempos não estão fáceis para quem ganha a vida a conduzir um táxi. Em particular para aqueles que operam em Lisboa três eventos para mim se destacaram nos últimos anos:
Em 2012 o metro chegou ao aeroporto. Embora o táxi continue a ser visto como o modo preferencial de deslocação para quem chega de avião por uma combinação de conveniência (transporte de bagagem e ligação directa ao destino) e preços acessíveis devido à proximidade ao centro da cidade, inevitavelmente uma parte dos potenciais clientes desapareceu.
O segundo evento foi a introdução das zonas de emissões reduzidas ZER. A frota de táxis de Lisboa é conhecida por incluir uma quantidade apreciável de veículos com alguma idade, e mesmo com os sucessivos adiamentos da aplicação da ZER aos táxis, a inevitabilidade da sua aplicação num horizonte temporal cada vez mais próximo é mais uma fonte de pressão para a renovação da frota com os custos associados.
O terceiro evento é a entrada em operação de serviços que fazem concorrência directa ao táxi tradicional. E neste caso estou a falar da Uber cuja entrada em actividade ainda está rodeada de alguma controvérsia, mas que parece ter chegado para ficar, e poderá ser apenas o primeiro da nova geração de operadores que prometem trazer mais dores de cabeça aos táxis.
A reacção não se fez esperar e se por um lado há a tentativa de impedir (ou adiar) na secretaria a entrada em jogo destes novos agentes, o processo provavelmente é irreversível.
Com tudo isto a imagem que passa do táxi tradicional é a incapacidade de inovar e alterar o modelo de negócio ou, pior ainda, um sector de actividade para quem o interesse daquele que é afinal o elemento mais importante, o cliente, vem em último lugar.
Mas como chegámos a este ponto? Na minha opinião (sim, é disso que este artigo trata) a origem do problema está precisamente no mecanismo que foi adoptado há muito tempo para proteger o sector, as restrições ao número de licenças disponíveis.
O que terá parecido inicialmente uma boa ideia, pois ao limitar o número de táxis em operação garantia-se que todos tinham trabalho, teve um conjunto de efeitos perniciosos. Associado à licença vem um valor fixo a ser cobrado pelo serviço de táxi que é definido por lei, ou seja, não há flexibilidade para tentar competir pelo preço, que tanto poderia ser mais baixo ou mais alto, por exemplo se o veículo usado fosse mais luxuoso – menos um incentivo para ter veículos de melhor aspecto/qualidade. Ao limitar o número de táxis em circulação, a própria licença para serviço de táxi passa a ter um valor intrínseco, que não tem nada a ver com qualquer actividade produtiva, a licença só tem valor porque o seu número é limitado, e no caso de Lisboa andará pelos 100.000€. O peso da burocracia associada aumenta ainda mais os custos de iniciar e manter a actividade, e uma leitura do regulamento municipal (a partir da página 15) dá uma ideia do enredo burocrático que rege a operação de um táxi.
Deste regulamento cuja leitura recomendo destaco um pequeno exemplo das causas da má imagem que muitos utilizadores têm dos táxis. No número 2 do artigo 8º pode ler-se: “A utilização dos táxis dentro de uma praça será feita segundo a ordem em que aqueles se encontrarem estacionados.” Quem escreveu esta frase claramente tinha a satisfação do cliente em último lugar na sua lista de prioridades. Imagine a situação. Estão 38º num dia de Verão e está cheio de pressa para chegar a uma reunião. Chega à praça de táxis e o primeiro carro da fila é um Mercedes 190D (um excelente exemplo de engenharia automóvel, quando foi concebido, em 1982) sem ar condicionado (ou avariado, vai dar ao mesmo). A seguir está um carro novinho em folha, com o ar condicionado a funcionar e a pintura ainda reluzente. A não ser que queira chegar à reunião a parecer que terminou uma prova de 5000 metros obstáculos a única hipótese é resignar-se a esperar que alguém ainda mais desesperado apanhe o primeiro carro da fila. Com este tipo de regulamento o incentivo para ter um táxi em boas condições é quase inexistente! Estou em crer que a simples alteração desta norma faria mais pela renovação da frota de táxis que todo o processo da ZER.
O resultado é uma frota envelhecida, em que a satisfação do cliente não está na lista de prioridades e em que a motivação para prestar um bom serviço está somente no brio profissional do condutor (felizmente que estes são a maioria). Não admira que quando surge um agente no mercado que prima pelo estado de conservação dos veículos, em que a reputação do condutor o precede (o sistema da Uber prevê não só que o cliente pontue o condutor como o condutor pontue o cliente, também os há problemáticos) e a satisfação do cliente é o aspecto mais importante a transferência seja imediata e provavelmente irreversível.
Como resolver esta situação? Felizmente há também muita gente activa e inovadora neste sector, e é já possível actualmente aceder aos táxis tradicionais através de processos concorrentes com a Uber que facilitam em muito a vida ao utilizador. A renovação da frota também esta a ocorrer, embora mais lenta do que o desejável.
No entanto ou problema de base do licenciamento mantém-se, e se uma liberalização imediata (uma palavra hoje em dia com conotações negativas, mas a mais adequada neste caso) iria, devido ao valor dos alvarás que passaria a ser zero ou quase, complicar a vida a muita gente, a situação que temos agora é de lenta agonia, com tentativas mais ou menos desesperadas de tentar parar o progresso inevitável. Os táxis tradicionais vão continuar a ter o seu espaço, provavelmente mais pequeno, mas será ainda menor se não for feita uma alteração drástica que permita que a prioridade seja dada à satisfação do cliente.
Para os interessados perceberem que este problema não é nem de longe um exclusivo de Lisboa sugiro a leitura deste artigo.
Gonçalo Gonçalves
Coordenador do laboratório de veículos e propulsão do DEM-IST