A mobilidade elétrica: quais os desafios que coloca?
Temos assistido nos últimos tempos a uma agressiva campanha comercial de algumas marcas na promoção dos seus modelos de carros ligeiros elétricos. Isto leva-me a abordar o tema numa ótica de tentar perceber qual o estado atual da “arte”, quais as vantagens e limitações desta solução, dentro de um quadro mais geral do transporte de pessoas e mercadorias.
Talvez devamos começar por identificar os segmentos onde esta tecnologia já domina, onde tem fortes possibilidades de ganhar quota de mercado e os que, à luz dos conhecimentos tecnológicos atuais, se vislumbra ser mais difícil a sua penetração.
O caso mais óbvio de sucesso da utilização da energia elétrica nos transportes é o transporte ferroviário quer de mercadorias quer de passageiros, incluindo o transporte urbano, nas redes de metro e nalguns nichos de linhas dos tradicionais “carros elétricos” que nos habituámos a ver nas nossas cidades há muitas décadas. Já são milhões de quilómetros percorridos, de infraestruturas desenvolvidas, de aceitação do público e de claro sucesso face a outras tecnologias. No caso do transporte urbano, acrescem as vantagens de contribuir de modo decisivo quer para o descongestionamento do tráfego, quer para a não deterioração da qualidade do ar. Diremos pois que este é o segmento por excelência da tração elétrica.
Há ainda nichos importantes, embora de menor dimensão, alguns dos quais até nos passam despercebidos. Desde os elevadores, escadas e passadeiras rolantes, aos empilhadores, carros de golfe e outras aplicações do dia-a-dia, que contribuem para o nosso conforto ou para utilizações industriais e comerciais muito importantes.
Passemos ao extremo oposto onde, para já, não se vislumbra que haja grande apetência: o transporte marítimo e o aéreo. Apesar de algumas experiências piloto, de reduzidíssima expressão, não se conhecem projetos de desenvolvimento que projetem que, num futuro próximo ou de médio prazo, haja uma penetração significativa nestes segmentos.
Se procurarmos as razões que estarão por trás destes casos de sucesso e de maior dificuldade, encontramos imediatamente uma explicação: o acesso à energia e o seu armazenamento. No 1º caso estamos perante soluções tecnológicas em que os meios de transporte circulam numa infraestrutura física bem definida, possibilitando uma alimentação direta sem necessidades de armazenamento. No segundo, é exatamente a impossibilidade deste acesso que dita a necessidade de encontrar soluções que permitam a necessária autonomia e segurança de exploração. Aqui os combustíveis tradicionais, pela sua elevada concentração energética, aliada a um manuseamento à temperatura e pressão atmosféricas, sem requisitos especiais, mantêm e manterão por muitas décadas uma vantagem dificilmente ultrapassável.
Por tudo o que foi dito, parece óbvio que a questão do veículo ligeiro de passageiros, é apenas uma fração do universo do mundo dos transportes e acaba por ter um mediatismo que, porventura, não corresponde à importância que tem. Apesar disso, é uma realidade inquestionável e que deverá também ser abordada. No estado atual do desenvolvimento tecnológico, parece evidente que o veículo ligeiro elétrico tem como principal vantagem a questão de não contribuir para a poluição do ar, podendo ser um contributo positivo para a melhoria da qualidade do ar nos centros urbanos. Não devemos confundir esta questão com a mais global da emissão de gases com efeito de estufa e o seu impacto no clima. Aqui teremos que abordar o “ciclo de vida completo”, incluindo obviamente o da produção e utilização da energia desde o “poço até às rodas” (wells to wheels), não sendo linear que esta solução saia sempre vencedora nas comparações com outras fontes de energia. As principais limitações desta solução prendem-se com a autonomia e o tempo necessário ao reabastecimento. Isto significa que o veículo elétrico ligeiro será, pelo menos para já, uma solução de “segundo carro” para utilização em percursos urbanos limitados e onde possa dispor de longos períodos de imobilização para o seu reabastecimento.
A minha conclusão é, pois, a de que devemos olhar para a floresta e não só para as árvores, e não sermos levados pelas correntes que apostam que a solução é única e que rapidamente vai destronar todas as outras. Há muitos outros fatores, desde a questão da fiscalidade sobre a energia, à questão dos custos de aquisição e operação, da aceitação do público e dos ritmos de renovação das frotas que terão que ser considerados. Mas, por hoje, fico-me por aqui.
António Comprido
Secretário-geral da APETRO