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Antropofagia

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Antropofagia

Algures na África Oriental, num pequeno triângulo de terra encravado entre a Zâmbia, a província de Tete em Moçambique e o Malawi, viveu até há alguns anos uma tribo que se caracterizava, entre outras, pelo cultivo da paz no seu seio, moderação nas suas posições e como boa anfitriã, distinguindo-se desta forma dos seus vizinhos.

Na verdade, os seus vizinhos mais próximos encontravam-se já próximo da Costa Índica e por isso foram, ao longo dos tempos, dominados por franceses, italianos, alemães, holandeses e ingleses, essencialmente atraídos pelas riquezas naturais como o ouro e marfim, e, naturalmente, pela escravatura.

Ainda que dispersas, a maioria dessas tribos ainda hoje existem, numa mistura heterogénea com os seus antigos colonizadores, podendo perceber-se, mesmo com olhos vendados, “quem é quem” nas ruas das suas vilas e cidades. Surpreendente quão misteriosamente, e no entretanto, só aquela nossa tribo se extinguiu. As teses defendidas por diferentes historiadores não são consensuais, ainda que, em alguns pontos, coincidam.

Tradicionalmente, aquela tribo era liderada pelo ancião mais votado da tribo. A gestão dos bens e interesse coletivos era bastante transparente até porque a ambição era, também por tradição, não material. Sabe-se também que algumas décadas antes da presumível época da sua extinção, esta tribo terá mudado de forma estrutural muitos dos seus costumes: por exemplo, deixou de caçar e cultivar a terra e passou a comprar os seus alimentos a uma tribo irmã. Comprar não será o termo mais correto a utilizar, já que, segundo a maioria dos historiadores, nada davam em troca por tais alimentos.

Sabe-se também que passaram a consumir produtos novos e outros luxos que a mesma tribo-irmã-credora lhes “oferecia” em cada visita. E este ciclo só aumentava de intensidade e abrangência sempre que um novo chefe de tribo era designado. Chegaram mesmo a pensar que nunca teriam de pagar. Afinal, tratava-se de uma tribo-irmã.

Algumas das teses tidas como mais fortes, baseadas nas últimas investigações antropológicas, indicam que a causa principal foi a destruição demográfica: os membros desta tribo passaram a ficar mais sedentários e, consequentemente, por um lado, diminuíram a sua reprodução; e, por outro, contraíram doenças “novas” e passaram a morrer prematuramente, pese embora os medicamentos que os mesmos fornecedores-credores mistério lhes ofereciam. Outras teses, defendem que os tais fornecedores-credores apenas os engordaram, para mais tarde os fazer pagar com a sua própria matéria, ao peso.

Finalmente, também há quem defenda que à tese anterior se junta: aquela tribo, durante mais de quatro décadas, entrou num estado de reversão cíclica de acordo com a alternância de governo tribal, voltando sempre ao ponto de partida de forma repetida, cada vez que mudava o chefe tribal.

Ter-se-á aquela nossa tribo cansado de construir e destruir “alternadamente”, entregando-se, em desespero, de “bandeja” à tribo-credora ou, simplesmente, terão sido vítimas dessa mesma tribo que primeiro os alimentou a crédito e depois os tragou num ritual exofágico? O certo é que, “qual sapo em água morna”, aquela nossa tribo se extinguiu.

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zyrgon