A família de motores radiais da Bristol
Um tema que já várias vezes abordei é o dos motores de aviação, especialmente aqueles concebidos por altura da segunda grande guerra, que representam em muitos aspectos, na minha opinião, o expoente máximo da engenharia de motores. A procura pelo desempenho máximo levou a que várias soluções menos convencionais tenham sido testadas, com variáveis níveis de sucesso.
Uma das características de um motor a quatro tempos é a necessidade de existência de válvulas na câmara de combustão, que vão controlar a admissão de mistura fresca e a exaustão de gases de escape. A solução mais comum (de tal modo que muitas vezes nem se põe a hipótese de haver outra possível) é o uso de válvulas circulares na cabeça do motor, accionadas por um ou mais veios de excêntricos.
Apesar da sua universalidade, este tipo de válvulas tem alguns problemas conhecidos: a sua construção exige materiais sofisticados (e caros), são um potencial ponto quente dentro da câmara de combustão (especialmente a válvula de escape) e não são ideais de um ponto de vista de rendimento volumétrico. Essas limitações eram conhecidas nos anos de 1930, e considerando os materiais e combustíveis disponíveis na época não é de estranhar que soluções alternativas tenham sido desenvolvidas.
Uma dessas soluções recorria a uma manga que estava situada entre o pistão e o cilindro, que com um movimento combinado vertical e de rotação permite alinhar um conjunto de orifícios com aberturas na parede do cilindro, por onde é feita admissão de mistura fresca e escape. Esta solução permite obter um melhor rendimento volumétrico reduzindo o número de pontos quentes na câmara de combustão.
Válvulas convencionais vs válvulas de manga
O principal fabricante a usar esta tecnologia foi a Bristol Engine Company, num conjunto de motores aeronáuticos desenvolvidos nos anos de 1930. A Bristol, embora menos conhecida que a Rolls Royce, desempenhou um papel igualmente importante no fornecimento de motores de aviação, sendo a sua especialidade motores radiais arrefecidos a ar em diferentes configurações. O aspecto de um cilindro de um motor típico pode ser visto na foto abaixo, sendo visível a manga que envolve o pistão, com orifícios que controlam a troca de gases e as portas de admissão e escape no cilindro arrefecido a ar.
Uma das particularidades dos motores com válvulas de mangas é a ausência de excêntricos, sendo as válvulas controladas no seu movimento por uma cascata de carretos actuados a partir da cambota, como se pode ver abaixo. O resultado tem algumas parecenças com um relógio de dimensões industriais. Outra particularidade era o elevado consumo de óleo que se acumulava nas mangas e era expelido na forma de um denso fumo branco quando o motor arrancava, embora este problema tenha sido mitigado com o tempo.
Quatro modelos foram produzidos em série pela Bristol: Perseus, Taurus, Hercules e Centaurus, com o modelo Hercules de longe o mais produzido. As principais características dos motores podem ser consultadas na tabela abaixo, assim como fotos de cada um dos modelos.
Perseus | Taurus | Hercules | Centaurus | |
Ano | 1932 | 1936 | 1936 | 1938 |
Nº cilindros | 9 | 14 | 14 | 18 |
Diâmetro x curso (mm) | 146 x 165 | 127×143 | 146 x 165 | 146 x 177 |
Cilindrada (litros) | 24.9 | 25.4 | 38.7 | 53.6 |
Potência (cv@rpm) | 905@2750 | 1050@3225 | 1356@2750 | 2520@2700 |
Unidades produzidas | 8000 | 3400 | 57400 | 2500 |
Estes motores equiparam vários modelos de aviões, desde bombardeiros como o Handley Page Halifax (produzido em números comparáveis ao do mais conhecido Avro Lancaster) a caças com o Hawker Sea Fury (que chegou a ser usado na guerra da Coreia, um dos últimos caças com motor de pistão a abater um jacto – um Mig 15) e diversos transportes.
Se estes motores eram tão bons porque desapareceram? Pela mesma razão que todos os outros motores de pistão de alta potência para aviação, o desenvolvimento da turbina a gás. Mesmo assim ainda continuaram em produção até aos anos 50, especialmente em aviões de transporte, um exemplo dos quais, o Nord Noratlas, pode ser apreciada no Museu do Ar em Sintra.
Abaixo é, igualmente, possível visualizar dois videos relativos aos motores Centauros e Hercules da Bristol, e respectivo funcionamento. Quem pretender consultar informação mais técnica relativa a este tema poderá seguir este link.
Gonçalo Gonçalves
Professor no Departamento de Engenharia Mecânica do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa