Tiques
Para hoje tinha em mente falar-vos sobre alguns grandes temas nacionais (corrupção e afins) e até mais globais (a reeleição prometida de Trump) e, como sempre tento, apontar caminhos e soluções. Na verdade, deveria estar influenciado com esta onda de grandes acontecimentos e eventos ocorridos nas últimas horas, como a nomeação do Guterres para a secretaria-geral da ONU (a ver se não desiste), a quarta bola de ouro do Ronaldo ou, finalmente, com o salto de nível no PISA pelos nossos extraordinários jovens.
Escrevo-vos já a noite é madura, sentado na minha secretária que fica num canto da sala que, apesar de ter uma generosa área, não evita o contacto visual com o televisor. Nele passam, sem parar, as gastas imagens dos senhores da bola e, talvez contagiado, optei por vos antecipar uma análise sobre um tique irritante quão misterioso dos portugueses enquanto condutores: o do não pisca.
A falta de organização, alguma indisciplina e desconsideração pelos demais são deficits transversais na nossa sociedade, mas quando transpostos para o asfalto assumem natureza chocantemente vocacional e perigosa. Não sendo exclusivo nosso, a verdade é que ao conduzirmos noutros países da Europa, verificamos frequentes atitudes “entre cavalheiros”, nos cruzamentos, nas convergências ou nas rotundas e raramente não sinalizam (avisam) os demais condutores sobre as suas intenções, com algumas também típicas exceções. E por cá, o mais comum é assistirmos a uma competição de egos e desinformação…
A falta de sinalização das nossas intenções na via pública, através da não utilização dos piscas, é uma das principais causas de pequenos acidentes urbanos (ainda que não a mais importante). Nas rotundas, nos cruzamentos, nas vias de entrada em eixo principal, nas ultrapassagens ou simples mudanças de faixa….outros profundos pensamentos se sobrepõem.
A via, onde quase sempre o pisca é utilizado é nas autoestradas: por aqueles cuja vocação seria a de agente-condutor da judiciária. Esses, logo na partida, ligam o pisca esquerdo que só desligam no destino, momento em que também finalmente libertam a faixa da esquerda. Ou por aqueles que, repentinamente deixam de adorar contemplar a traseira de um camião e, a baixa velocidade, se atiram para a faixa da esquerda, venha lá quem vier…mas quase sempre antecedido por pisca.
Tendo consciência e curiosidade sobre isto há muito, nas últimas semanas tenho procurado observar mais atentamente estas circunstâncias e questionar-me como poderíamos melhorar este intrigante e perigoso defeito. Afinal trata-se de apenas informar os demais condutores e assim contribuir para uma circulação mais segura.
Naturalmente que a formação é um dos melhores caminhos, mas enquanto nisto pensava, comecei a deparar-me com o que não esperava. Contabilizei como passatempo e agora convosco partilho: em 24 dias contados de circulação nas últimas cinco semanas, cruzei-me com 87 veículos identificados como de instrução e verifiquei que não utilizaram os piscas em 28 das 123 situações em que o deveriam ter feito. Algumas dessas situações foram realmente perigosas ou constrangedoras pelo ridículo em que se colocaram.
Bom, então percebi que o problema é mais fundo e grave. É epidémico! Será que aqueles veículos, como de resto os demais, são colocados no mercado sem piscas? Como iremos conseguir que os nossos condutores usem essa ferramenta, sempre que conveniente e aconselhável?
Será que esta inovadora maioria parlamentar deverá legislar de forma a que todas as marcas de automóveis sejam obrigadas a equipar todos os seus veículos com piscas? Ou então deve o OE 2017 acautelar verbas para a criação de uma rede de satélites, para colocar a GNR a faturar nestas situações?
Mário Lopes
mariojglopes@gmail.com