A confiança no mundo
Há mais de sete décadas que se vive em Paz no mundo ocidental. Este longo período de estabilidade politica e social permitiu um desenvolvimento económico, social e cultural em todas as sociedades ocidentais, talvez apenas com paralelo na Revolução Agrícola ou Neolítica.
Para além desta estabilidade duradoura, a economia no mundo ocidental beneficiou durante este período, e até ao início deste século, de alavancas determinantes como a reconstrução pós-guerra, o baby-boom, as crises petrolíferas, a queda do Muro, a estabilização politica de grandes e populosas regiões do globo como a China, a Indonésia e a Índia, a livre ou facilitada movimentação de pessoas – aprofundando-se a diversidade cultural e promovendo a inovação e a revolução tecnológica…
Tal como após a revolução cultural francesa e posteriormente a revolução industrial, esta prosperidade reforçou os ideais humanistas e ambientalistas na segunda metade deste período de setenta anos, gerando quiçá uma ilusão de segurança e de direitos humanos e sociais quase ilimitados, às populações das democracias ocidentais.
Contudo, a partir do início deste século, com o arrefecimento progressivo das economias desenvolvidas, a esperança de continuidade de desenvolvimento focalizou-se nos BRICS. Posteriormente, insistimos na China (a esvanecer), no continente africano e na Índia. Finalmente, o humanismo é posto em causa, superado pela ânsia de facilitismo imediatista.
Por outro lado, e paradoxalmente, ou talvez não, num período tão longo de estabilidade e prosperidade, a avaliar pelos dados disponíveis no SIPRI sueco (www.sipri.org), concluímos que, salvo algumas excepções (países europeus, Canadá, Africa do Sul e poucos mais), os gastos militares, incluindo a aquisição de armas de guerra, têm-se multiplicado (a despesa per capita agregada praticamente triplicou) em todo o mundo, com estrondosa pujança no eixo de Israel, Irão, Índia, Paquistão, Myamar (Birmânia) e China – com destaque para a “esperança” Índia, atualmente o maior importador mundial de armamento.
Finalmente, alguns países africanos aparecem também como dos principais despesistas em matéria bélica: Marrocos e a Argélia, para citar apenas aqueles que estão geograficamente mais próximos de nós.
Parece portanto, que a maior parte do mundo se tem andado a preparar para a guerra, investindo os seus finitos recursos “mais nas armas que na manteiga”. Será que chegamos a um beco para a retoma do progresso económico, social e cultural das últimas décadas? Estamos enlameados na tal crise de valores?
Estas dúvidas estão em definitivo a corroer internamente as grandes democracias, a alimentar o sucesso eleitoral dos políticos populistas e a levar os eleitores a aceitarem quase todos os pretextos para que a retoma do seu status quo social e mental aconteça. Mas a verdade é que um muro na fronteira do México ou um TGV em Portugal, confrontos de “personalidade” com os “media desonestos” ou com a justiça, num deboche de superioridade moral ou autocrática, lá como cá, são equivalências esquizofrénicas, ainda que em planos diversos.
Em planos diversos claro está, pois se de lá tudo o que o mundo não precisa são rastilhos de esquizofrenia e ignorância no gigantesco paiol, já por cá trata-se apenas de mais uma paródia…. Como não acusam ou arquivam, então acuso eu: tenhamos “Confiança no Mundo”…
Mário Lopes
mariojglopes@gmail.com