A polémica factura da sorte
Em Portugal, além de futebol, todos nós achamos que percebemos muito de automóveis e política. Assim que se ficou a saber que a Audi ganhou o concurso para o fornecimento dos automóveis a sortear na factura da sorte, juntaram-se estas duas últimas temáticas e a polémica instalou-se. Com a ajuda de algum jornalismo sensacionalista, diga-se.
Deixando de lado a questão sobre o facto do prémio ser um automóvel, vamos focar-nos no tipo escolhido. Parece-me óbvio que a opção teria de recair numa marca premium, pois, como provam as tabelas de vendas, a maioria dos portugueses deseja ter um automóvel de uma dessas marcas, ainda que a maioria não consiga lá chegar. Haverá quem argumente que isso não é bem assim e que, nos tempos que correm, a generalidade dos portugueses quer apenas deslocar-se do ponto A ao B com o mínimo de custo possível. Posto isto, sou obrigado a perguntar: onde é que um automóvel novo com um consumo médio homologado de 4,3 l/100 km não se enquadra neste objectivo?
Todos sabemos que os custos de utilização de um automóvel, novo ou usado, não se resumem ao combustível e que teremos de contar com o seguro, IUC, manutenção programada e potenciais avarias. Podemos, por isso, pegar no facto do parque automóvel nacional ter uma média de idade superior a 11,1 e de quase 30% ter entre 10 e 15 anos de idade, segundo dados da ACAP. A partir daqui, constatamos que grande parte dos portugueses tem um automóvel que todos os anos precisa de fazer a IPO (Inspecção periódica obrigatória), que terá, provavelmente, revisões anuais, um seguro acima dos 100 euros e, tendo em conta as probabilidades, uma taxa de avarias relativamente grande.
Se tomarmos como exemplo um automóvel com 13 anos, a gasolina, do segmento dos pequenos familiares – abaixo do A4, com motor a gasolina, podemos fazer umas pequenas contas. Uma viatura com esta idade terá, em média, um custo a rondar os 100 euros anuais só em manutenção programada. Um Audi A4, segundo dados da marca, tem que ir à oficina de dois em dois anos, onde o orçamento ronda os 350 euros. Dividindo por dois, dá 175 euros.
Um automóvel com as características supracitadas deverá estar enquadrado no escalão de IUC que paga 55, 31 euros, ao passo que o A4 chega aos 194, 30 euros. Os 30 euros anuais da IPO apenas se aplicam ao primeiro, ao passo que o seguro para ambos, segundo os simuladores online, é praticamente o mesmo.
Em relação ao custo com o combustível, o A4 é bastante mais económico, não só por apresentar um consumo médio inferior como também pelo facto do gasóleo ser mais barato do que a gasolina. Esta poupança serve para abater os superiores gastos com a manutenção e IUC. Mas temos ainda a questão dos custos extraordinários. É expectável que um automóvel com tantos anos e quilómetros vá tendo algumas avarias, ou até mesmo troca de componentes desgastados, alguns deles dispendiosos. O automóvel oferecido na factura da sorte tem dois anos de garantia. Logo, está isento de gastos extraordinários.
Para terminar, há que relembrar que um automóvel novo, do segmento dos familiares médios, traz uma série de elementos de conforto e, principalmente segurança, ausentes de grande parte dos automóveis do parque nacional. Alguém me explica, então, em que medida pode o sorteio prejudicar algum dos 56 contribuintes premiados?