Pequenos excessos, grandes consequências
Dentro das localidades, pequenos excessos de velocidade proporcionam grandes diferenças nas distâncias de paragem. Concretizando – se circular a 50 km/h e reagir a um estímulo que me obrigue a parar, eu faço-o em cerca de 26 metros (tempo de reacção de 1 segundo), mas se circular a 70 km/h, eu necessito de cerca de 43 metros para parar. E a que velocidade eu vou quando percorrer os 26 metros em que pararia se seguisse a 50 km/h? Ainda vou a 59 km/h !!! Ou seja, se embater noutro veículo, os danos serão muito consideráveis, e se o obstáculo for um peão, em 70% dos casos, ele morrerá.
A falta da noção desta realidade constitui, segundo a nossa opinião, uma das principais razões para a brutal dimensão da sinistralidade rodoviária dentro das localidades que se verifica em Portugal, onde se verificaram, em 2012 (último ano em que dispomos dos dados referentes aos mortos verificados nos 30 dias subsequentes à ocorrência do acidente) 55,3% das vítimas mortais, 64,5% dos feridos graves e 74,5% dos feridos leves.
Num recente estudo de opinião, 74% dos condutores portugueses inquiridos afirma concordar que conduzir 20 km/ acima do limite, dentro das localidades aumenta o risco de acidente. Mas esta percentagem é a segunda mais baixa de entre 20 países que responderam ao mesmo questionário (apenas na Sérvia ios condutores apresentaram um nível inferior de concordância).
Mas mais preocupante, considero a opinião expressa pelos condutores portugueses relativamente à opinião que têm sobre se os seus amigos conduzem regularmente 20km/h acima do limite dentro das localidades – 65% afirma que sim, o que significa que , juntamente com os condutores polacos, são os que apresentam maior número de concordância.
Se a estes dados juntarmos a opinião de que raramente serão fiscalizados (apresentam a 3º mais baixa espectativa de o serem nestas condições), está provavelmente encontrado um dos principais factores para haver tantos acidentes graves dentro das localidades em Portugal, sendo que de entre todos os 27 países da UE, apenas a Roménia tem maior percentagem de mortos dentro das localidades do que Portugal.
Este é mais um dado a justificar a urgência e a prioridade de voltar a defender de forma muito clara a absoluta necessidade em promover intervenções físicas nas áreas urbanas, de acordo com o que foi aprovado em 2002 no Plano Nacional de Prevenção Rodoviário, e que desde então nunca teve concretização, e que infelizmente não tem continuidade expressa no actual documento da Estratégia Nacional de Segurança Rodioviária:
1. Elaboração de normas técnicas para concepção e traçado de vias em área urbana, em função dos níveis de hierarquização;
2. Lançamento de um programa de intervenção em travessias urbanas, com prioridade para as zonas de maior risco, incluindo a elaboração de normas para uniformização das medidas de acalmia de tráfego e a definição de critérios técnicos de avaliação da adequação dos limites de velocidade locais, da necessidade de medidas de acalmia de tráfego e da necessidade de eventual construção de variantes;
3. Lançamento de um programa de definição e identificação de Zonas de Acumulação de Acidentes em áreas urbanas consolidadas;
4. Lançamento de um programa de gestão de caminhos pedonais, mediante a adaptação do manual existente para utilização como norma técnica e a formação na utilização dessas normas.
José Miguel Trigoso
Presidente do Conselho de Direcção da PRP