A Fome dos BOYS
Ainda jovem ensinaram-me que sobre uma mesma coisa (ação, substantivo, intenção ou numa simples frase) é possível ver diferentes realidades. Quer isto portanto dizer que, no limite, não há uma realidade.
Esta é aliás uma máxima para o sucesso em certas áreas de negócio, como os grandes escritórios de advogados que habilmente se sobrepõem a outros, em todo o mundo. Desmontar e remontar, mutando uma subtil premissa ou interpretação sobre a mesma é também um exercício de masturbação intelectual para alguns.
Assim parece ser o que se passa relativamente ao 4 de Outubro 2015. Ainda anteontem necessitei voltar a consultar os resultados oficiais da contagem de votos e fiquei novamente surpreso: quem ganhou as eleições foi a coligação PSD/CDS (36,8% dos votos + 1,5% PSD e 0,1% CDS) e quem perdeu as eleições foi o PS (32,4%). Nem mais. Decidi reler e concluí o mesmo. Aí lembrei-me daquele ensinamento: será possível ter outra leitura, outra perspetiva, outra interpretação daqueles resultados?
Objetivamente pensei que não. Mas há de facto, quem possa ver essa realidade de modo diferente. Desde logo a CDU, que conquistou mais um deputado. Foram, como sempre, os primeiros a reclamar vitória. Depois o BE que também (qual PRD) conquistou mais lugares parlamentares. E o PAN, que elegeu o seu primeiro deputado. Finalmente, o Presidente da Republica que concluiu ter sido o PS o vitorioso e que por isso, precipitadamente o “convidou a formar governo”.
“Deveremos interpretar o que o povo português nos quis dizer: queremos que a coligação se mantenha no poder mas sujeita a um maior controlo”, dizem uns. “Há 63% dos eleitores que não votaram coligação e votaram na esquerda parlamentar, pelo que ganhámos”, dizem outros, apenas para citar duas das opiniões. Uns decidem suspender as convicções estalinistas, anti-NATO e anti-Europa; outros retiram das suas propostas a saída do Euro ou a nacionalização da banca. Tudo por um lugar no governo. É agora ou nunca! Não haverá segunda oportunidade, pensam!
E até quando aquelas suspensões de princípios? Que Princípios? E até quando uma plataforma de retalhos sem convicções tem condições para politicamente conduzir o país? Ou, como diz Helena Matos, governar um país europeu como quem governa uma Câmara Municipal? O sentido de responsabilidade de Estado, do interesse nacional, a visão dos grandes líderes que muitas vezes decidem contra corrente, se livres de pensamento, foi enterrada. Cremada!
A procura da sobrevivência segurando o poder interno, distribuindo lugares para os “boys” esfomeados, coligando-se a uma esquerda excitada “a la syriza de janeiro”, pensando poder replicar outros acordos que permitiram alcatroar umas ruas, abrir mais uns bares num novo bairro em Lisboa ou resolver a greve dos homens do lixo do município, parecem ser os novos princípios orientadores, deste irreconhecível PS.
Quiçá Cavaco Silva, precipitada mas inteligentemente, “convidou” Costa para este desfile, tipo corrida 100 metros para o poder a qualquer custo, que tornará o PS refém das esquerdas caviar e estalinista, colocando-o a cozer em lume brando (ou até a fritar em lume forte) para, quando daqui a poucos meses voltarem a ser plebiscitados em eleições antecipadas, muito provavelmente algumas semanas antes da Troika voltar à Portela, desaparecerem.
Entretanto a confiança estará desfeita, a retoma murcha e os impostos novamente aumentados. É só ver o comportamento dos yields das obrigações portuguesas a 10 anos, durante esta semana de desfile.
Se quiséssemos que o PS voltasse a governar, ter-lhe-íamos dado a vitória!
Mário Lopes