Abu Dhabi, o culminar de uma grande época
Há já uns anos que não estava pessoalmente presente num GP de F1. No entanto, seguia e sigo com regularidade os acontecimentos desportivos. Ter estado mais de 30 anos ligado profissionalmente a esta categoria não se esquecem nem se apagam de um momento para o outro.
A oportunidade que o Bernie me deu, com um convite para estar presente neste final de campeonato em Abu Dhabi, juntamente com uns amigos de Angola, foi, na realidade, sensacional. E, exactamente no dia dos seus 84 anos de idade, o meu velho amigo mandou-me um PDF com uma mensagem pessoal a confirmar os passes de acesso ao paddock e aos pits, com aquele sentido de humor típico dele, ao dizer que eu ainda devia saber onde ele estava e que não precisava de marcar hora ou data para nos vermos. Just drop by… E assinou “Bernie”.
A sua secretária asiática de há quase 30 anos, CK, estava com ele e com a advogada da FOA numa grande sala da Torre de Controlo do Yas Marina Circuit, no primeiro andar, secretariando os dois gabinetes para BE e para Jean Todt, que veio até aos Emirados só no dia da corrida – dia, aliás, em que a fina flor da realeza da região fez questão de estar presente. As famílias reais e os mais dos businessmen do Golfo, desde os Sauditas aos Qataris, aos Bahrainis, todos lá estavam. Aliás, as medidas de segurança foram as mais apertadas de que me lembro de ter visto em circuitos de F1, com as revisões a todos os carros em três perímetros de controlo a fazer lembrar os check points dos anos 60 entre as duas Alemanhas… Até com espelhos para ver debaixo dos carros.
Mas o mais importante foi mesmo a corrida e o ambiente. A Yas Marina e o seu circuito, construído pelo meu ex-colega de Aachen, o Hermann Tilke, puseram Abu Dhabi nas bocas do mundo. Os concertos de sexta e de sábado foram sensacionais, com o Pharell Williams e os The Who. Acho que os Emiratis não sabiam bem quem eles eram, mas os expatriates todos que lá estavam adoraram. Os hotéis estavam TODOS a abarrotar, tanto em Abu Dhabi como no Dubai, e na região também já aprenderam que os mínimos a cobrar sejam cinco noites a 500 euros por noite… Nada mau!
No paddock, os VIP, e os que pensavam sê-lo, cruzavam-se com toda a naturalidade. O rei Juan Carlos esteve no meio dos aficionados, bem como o Crown Prince do Bahrain, que lançou há já dez anos a primeira pedra para a introdução da F1 no seu País e nesta região, com a construção do circuito inaugurado a 4/4/2004… O 4 é um número de sorte para os árabes, ao contrário da China, onde significa azar e até mesmo morte, mas onde o 8 é o algarismo favorito.
Havia um sem número de ex-pilotos de F1, uns mais recentes, outros nem tant. Acho que todos estavam lá para assistir a um grande evento e menos a um grande GP, pois Lewis Hamilton chegou a Abu Dhabi acompanhado pelo pai, pelo irmão, pela Nicole, pelos seus amigos rappers, mas estando fora da zona de conforto de Hamilton até ao domingo da corrida. Viu-se logo que o inglês estava ali para resolver o assunto a seu favor contra o Nico, tendo deixado este entusiasmado quando, mais uma vez, perdeu o confronto com o alemão em qualificação, mas carimbando uma corrida excepcional, com uma largada do grid como não seria possível fazer melhor e arrumando a questão de vez. No final da corrida, o alemão, vítima de um defeito no sistema de recuperação de energia, uma invenção de porcaria dos novos regulamentos, foi o primeiro a felicitar o novo campeão e a enterrar, pelos menos até 2015, o machado de guerra que surgiu desenterrado entre os dois a meio da época.
A administração da Mercedes estava presente e foi muito gratificante voltar a encontrar e a privar na hospitality com o chefe Dr. Zetsche, com o Prof. Weber, com o Ola Kaellenius; rever o Niki e o Toto Wolff, agora em novas funções. Aliás. o Toto é, possivelmente, um dos indivíduos mais low profile do paddock da F1, pois, para além de ser o Chefe da Mercedes AMG Fórmula One Team e main shareholder, é também accionista de referência na HWA, na Williams F1, no BPP Rally Team, manager de Bottas com a agência de management que tem com Mika Hakinnen, etc, etc. Tudo isto sem levantar conflitos de interesse nem ondas, simples e prático, mesmo quando a sua esposa Suzy aparece como piloto de testes de Sir Frank Williams…
Foi um fim de semana de revisão e revival e… sou capaz de ter ficado infectado outra vez. Ver o Safety Car e o Medical Car, meus “filhos” com quase 30 anos de idade e existência, agora tão integrados e parte da F1, deu-me uma certa ternura afectiva que me soube muito bem. Vamos lá ver se me curo antes de 15 de Março de 2015…
Domingos Piedade