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Aconteceu. E agora?

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Aconteceu. E agora?

Já muito se disse sobre Sócrates e quase tudo sobre os motivos da sua detenção. Também já muito se especulou sobre as suas conexões, os favores e sobre as verdadeiras razões, eventualmente escondidas, da justiça e do poder instalado. Alguns tenderão a pensar que este é apenas mais um episódio da mediocridade da nossa política doméstica e dos sintomas febris de uma enfermidade na qual o nosso país parece ter contraído, arrastando algumas antes prestigiadas e úteis instituições.

Como já tenho referido algumas vezes, na minha perspetiva a enfermidade é bem mais profunda, estrutural e abrangente, quer em termos geográficos quer quanto à sua génese. Repetindo-me, de facto e na minha modesta opinião, trata-se de uma crise estrutural de conceito político ou regime a nível global ou, no mínimo da “democracia”, como atualmente a conhecemos nos ditos países ocidentais. É uma questão conceptual, mesmo no seio da “democracia”.

A delegação de poderes que fazemos aos pretensos nossos representantes, não poderá continuar a fazer-se da mesma forma, como se nada tivesse mudado. Como se o perfil e os objetivos desses protagonistas se mantivessem. Desenganem-se: esta enfermidade não é apenas um mal nacional português. Ela repete-se em Espanha, em Itália, em França, Grécia e Luxemburgo para referir os mais recentes. Poderia mencionar pelo menos a Bélgica, Alemanha, Polónia e Irlanda se a memória recuar um pouco mais.

Atualmente, pelo discurso nos media, nos cafés, nas reuniões profissionais ou nos encontros de amigos, naquele primeiro grupo de países, não conseguimos perceber se estamos em Portugal. Ficamos confusos, pois a “música” repete-se nos nossos ouvidos. Corrupção, instituições supervisoras fracas, inativas ou incapazes (nacionais ou europeias), negócios pouco transparentes entre interesses públicos e privados etc, grupos económicos que desabam por vigarice ou irresponsabilidade dos seus governantes, conivência de auditores, fiscalizadores, políticos ricos do “nada”, etc., não são fenómenos apenas portugueses, atuais ou sequer pouco frequentes.

Eles acontecem e sucedem-se na razão da falta de lideranças fortes, onde e quando quer que seja. Pela mudança dos valores, do designado serviço público ou apenas pela falta de vontade dos cidadãos cada vez mais afastados. Da Comissão Europeia à mais pequena junta de freguesia, o desinteresse, descrença e desconexão entre os delegantes e delegados é um processo irreversível, sequer no médio prazo.

O altruísmo quase filantrópico, os valores humanistas e progressistas subjacentes, a visão e a coragem de alguns dos estadistas que conhecemos durante a construção da União Europeia, são coisas do passado. Esse espirito coletivo e essa vontade de criar, deram lugar a um marasmo de esperança para todos em especial aos mais jovens, a uma pobreza de ideias de progresso social e a um caciquismo medieval relativamente aos ventos mais conservadores e não desinteressados vindos da germania.

A democracia desenvolveu-se e está hoje enferma em toda a geografia onde se diz enraizada! Através dela deixámos que a fúria pessoal de enriquecimento mais ou menos ilícito (mas quanto mais rápido melhor) de muitos políticos e de outros tantos detentores de cargos públicos e seus compadres, se sobrepusessem a todos os valores que na Europa se partilhavam, ainda que com sotaques diferentes, ainda há um par de décadas.

Aconteceu. E agora, creio (e repito-me) que estão criadas as condições para que regimes autocráticos surjam nas próximas décadas e se alimentem de nós, novamente à semelhança do passado. Na Europa tivemos a oportunidade de aprender esta lição. Aprendemos? Eu acho que não.

Mário Lopes
Atlas Seguros

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Mário Lopes