Automóveis de competição de tracção dianteira
Se a recente prestação da Nissan nas 24 horas de Le Mans não terá sido a mais convincente, tal como devidamente analisada pelo Domingos Piedade na sua última crónica, tal não nos deve levar a crer que os automóveis de competição de tracção dianteira são um caso perdido.
Na realidade, muito antes da tracção dianteira ser comum em carros de estrada, esta já havia sido testada na competição nos anos 20 e 30 com os Alvis 12/50 e 12/75 ou o Miller 122 que correu na Indianápolis 500 de 1925.
Pode argumentar-se que não foram particularmente bem-sucedidos, até porque a experiência não voltou a ser repetida, mas onde garantidamente não há falta de sucessos com carros de tracção dianteira é no mundo dos rallys. Carros como o Saab 96, Mini ou o Lancia Fulvia não só ganharam provas nos anos 60 e 70 como eram absolutamente dominadores em provas onde a controlabilidade do carro em situações de aderência variável assumia maior importância, como seja o rally de Monte Carlo, onde as edições de 62 a 67 foram todas ganhas por carros de tracção dianteira: Saab 96 em 62 e 63, diferentes versões do Mini em 64, 65 e 67 e em 66 o Citroen ID. Talvez o exemplo máximo seja o Lancia Fulvia, que ganhou o campeonato de construtores em 1972, incluindo uma vitória em… Monte Carlo. Já agora, antes que pensem que a oposição estava mal equipada, nos lugares imediatos ficaram o Porsche 911 e o Alpine A110.
Com o aumento das potências dos carros de rally, a tracção passou a ser o argumento dominante e os carros de tracção dianteira deixaram de ter um papel relevante, mas embora os carros de tracção integral sejam a regra desde os anos 80 é importante não esquecer que no final dos anos 90, como o Peugeot 306 Maxi, deram um ar da sua graça, tendo terminado no pódio em algumas provas, embora esses sucessos tenham ficado restritos às provas disputadas em asfalto onde a diferencial de potência e tracção podiam ser combatidos com a maior manobrabilidade e menor peso resultantes de um regulamento mais favorável.
Peugeot 306 Maxi de 1997
O mesmo efeito dos regulamentos leva a que a grelha de uma das principais competições em pista, o WTCC – World Touring Car Championship, seja actualmente ocupada na sua maioria por carros de tracção dianteira
Não queria terminar antes de falar daquele que será, para mim, o verdadeiro antecessor espiritual do Nissan de Le Mans. Um carro que tem tanto de absurdo como de fascinante, o Monaco Trossi de 1935.
Desenhado para correr em grandes prémios, o elemento que mais se destaca é o motor radial de 16 cilindros a 2 tempos, com 4 litros de cilindrada, dois compressores e 250 cv às 6000 rpm. A sua localização à frente das rodas dianteiras, que claro está tinham a seu cargo a tracção e a direcção, originava uma distribuição de pesos de 75%/25%, o que juntamente com os pneus usados à época fazia com que o carro saísse de frente em todas as curvas. Foi um fracasso, mas um fracasso fascinante.
Monaco Trossi 1935
Gonçalo Gonçalves
Coordenador do laboratório de veículos e propulsão do DEM-IST
