Electric GT arranca em 2017 com equipa portuguesa e passagem pelo Circuito do Estoril
Apresentado, recentemente, em Ibiza, o Electric GT World Series é o novo campeonato internacional destinado exclusivamente a automóveis eléctricos, e o primeiro do género a apostar em corridas de GT. Assumindo a sua base iminentemente ibérica, é propriedade da Electric GT Holdings Inc., fundada pelo escocês Mark Gemmell, engenheiro de software e entusiasta da mobilidade sustentada, e pelo espanhol Agustín Payá, piloto com carreira firmada nas corridas de automóveis eléctricos (tendo, inclusivamente, participado na época inaugural da Formula E e no Rali Dakar com um veículo deste género).
Com arranque oficial agendado para 23 Setembro do próximo ano, e corrida de apresentação a realizar em Agosto de 2017, no Circuito da Catalunha, numa primeira fase, todos os carros em competição no Electric GT terão por base o Tesla Model S P85+ (com 416 cv e 601 Nm), dotados das modificações necessárias para cumprir a regulamentação da FIA em matéria de segurança, e de alterações várias em domínios como a aerodinâmica, a redução do peso, o incremento da capacidade de tracção e de travagem ou a refrigeração das baterias, de acordo com o estipulado pelas regras da classe FIA GT3.
Inicialmente definido para um horizonte temporal de cinco anos, o projecto prevê, na temporada inaugural, a participação de dez equipas e vinte carros, e outros tantos pilotos oriundos dos cinco continentes. Estão previstas sete etapas, todas disputadas em circuitos convencionais de renome internacional: Espanha (Barcelona, a 23 de Setembro de 2017, e Madrid, em data a anunciar), Portugal (Circuito do Estoril, muito provavelmente a segunda ronda do campeonato), Reino Unido (Donington Park), Itália (Mugello), Alemanha (Nürburgring) e Holanda (Assen). Estão, também, a ser efectuados os necessários contactos para que o Electric GT possa também visitar os continentes asiático e americano, para onde está já prometidos alguns eventos extracampeonato.
É ambição dos organizadores que as etapas que integram o campeonato também sirvam para promover a mobilidade eléctrica, a par de outros desafios contemporâneos (sustentabilidade, cidades inteligentes, Internet de todas as coisas, entre outros). O baixo nível de ruído dos veículos ajudará, por seu turno, a permitir que uma das duas corridas de cada fim-de-semana seja realizada ao anoitecer, estando ainda prometidas formas inéditas de o público interagir com os protagonistas.
Premissas do Electric GT é, ainda, evoluir rapidamente a cada época. Em 2017, existirá apenas um fabricante (a Tesla, com o Model S P85+), uma única equipa de engenharia (que preparará todos os carros) e dez equipas, cada uma com dois carros e outros tantos pilotos, que não poderão efectuar alterações nos veículos. Em 2018 já será autorizada a entrada de várias equipas técnicas, que poderão efectuar alguns melhoramentos nos carros, mas ainda sob um regulamento fechado, estando também previstas uma redução adicional do peso dos carros, a introdução de baterias com maior capacidade, melhorias ao nível da electrónica, a recarga das baterias através de supercarregadores no pit-lane, e ainda (em fase experimental) a própria troca de baterias.
Só em 2019 será permitida a entrada de outras marcas no Electric GT, com os carros a terem que estar equilibrados em termos de relação peso/potência. A troca de baterias fará já parte da estrutura da corrida (será obrigatória), e entrará em fase de testes o carregamento de baterias através de hipercarregadores. Em 2020, a novidade prevista é as equipas já poderem realizar alterações nos seus carros que permitam optimizar as suspensões, os travões e a aerodinâmica. Por fim, em 2021, será permitido às equipas fazer variar a tecnologia de baterias utilizada, desde que mantendo a respectiva capacidade.
Para melhor conhecer o Electric GT, nada como falar com o director técnico do campeonato. Interessa perceber, por exemplo, porque motivos o campeonato vai ser disputado em pistas convencionais, para mais fazendo uso de um automóvel de estrada sem grandes modificações, quando a Formula E aposta nos circuitos citadinos, alegadamente porque o reduzido impacto dos monolugares, em termos de poluição atmosférica e sonora, lhe permite estar mais perto do público. Agustín Payá não subscreve a alegação: “A Formula E não escolheu visitar as cidades por uma questão ambiental ou acústica, mas porque os monolugares que nela participam não são competitivos em circuitos permanentes (alguns visitados pela Fórmula 1). Para o Electric GT, os custos adicionais da montagem de um circuito citadino não se justificam quando existem infraestruturas permanentes para esse efeito”.
Simples de explicar é, ainda, a escolha do Tesla Model S P85+, modelo já descontinuado, em detrimento de uma versão mais moderna – se não o P100 (que já inclui baterias da nova geração), ao menos o mais potente P90 com o mesmo pack de baterias: “Preferimos uma versão de tracção traseira, por oferecer uma condução mais espectacular e pura, e ser a solução mais utilizada em outras categorias do automobilismo. No futuro, veremos o que fazer com os novos modelos”. E como, no plano técnico, um dos maiores desafios, quando se faz correr um automóvel eléctrico, é o sobreaquecimento das baterias, o vice-presidente da Electric GT Holdings garante que a engenharia já desenvolveu as necessárias modificações no sistema de refrigeração para bem adaptá-lo às necessidades da competição.
Também não deixa de ser curioso que a escolha tenha recaído num modelo pertencente a uma marca americana, que tem como principal prioridade o mercado doméstico, para mais para disputar um campeonato, por ora, confinado à Europa. É de esperar uma presença mais forte da Tesla na Europa no curto prazo? Agustín Payá reconhece que as vendas da Tesla nos EUA correm francamente bem, mas também considera que a marca não deixa de estar muito interessada também na Europa. Por isso, “o campeonato começa no continente europeu, para potenciar as vendas onde tal é mais necessário”.
Com Portugal no calendário, logo desde o arranque, nada mais óbvio do que o Electric GT integrar, também, uma equipa portuguesa. Payá não deixa margem para dúvidas: “O Circuito do Estoril é território ideal para disputar o Electric GT. E se, por essa altura, estiverem disponíveis licenças para novas equipas, de facto, temos uma estrutura interessada em participar, liderada por Carlos Jesus, da ZEEV”. Temos, assim, que o responsável por trazer a Tesla para Portugal apresta-se, também, a participar no campeonato disputado com modelos da marca americana logo desde a sua génese.
Modelos que, no primeiro ano, serão exclusivamente montados e preparados pelo fornecedor escolhido para o efeito pela organização, garantindo absolutas condições de igualdade em termos da tecnologia fornecida a cada equipa. Quanto aos pilotos, a Electric GT está a fazer a selecção dos participantes (através de uma iniciativa denominada Drivers Club Selection), mas sempre em proximidade com as equipas, às quais caberá a decisão final acerca de quererem, ou não, trabalhar com determinado piloto.
Mas como organizar corridas de automóveis não deixa de ser uma actividade profissional, um negócio, importa saber quais os parceiros e patrocinadores da Electric GT, e qual o envolvimento da Tesla: “Presentemente, temos o apoio de marcas de grande dimensão, como a Pirelli, a OMP ou a DHL. As primeiras põem à nossa disposição todos os seus recursos, o que não deixa de ser lucrativo para o campeonato. Já a Tesla, de momento, oferece-nos apoio técnico e sistemas de carregamento de baterias. Estamos a negociar um plano mais abrangente, mas há que ter em atenção que o campeonato não tem por base a Tesla, mas outros patrocinadores e equipas”.
Por isso são esperados novos concorrentes a partir de 2019, curiosamente a altura em que muitas marcas que prometem ter já á venda modelos eléctricos com autonomias equivalentes às hoje oferecidas pelos Tesla. Neste ponto, o vice-presidente da Electric GT é peremptório: “O campeonato incorporará os carros que cumpram com o regulamento técnico, e constituam uma realidade sustentável em termos do preço a que sejam propostos no mercado. Por isso, e apesar das nossas ambições, se, em 2019, apenas a Tesla conseguir cumprir essas condições, então, manter-nos-emos fiéis a essa plataforma, até que outras marcas também possuam modelos que sejam capazes de ajustar-se a essas premissas. Vamos ver o que sucede…”.
Com toda a frontalidade, Agustin Payá assume que a organização tem todo o interesse em revelar de forma gradual as novidades acerca do Electric GT. Mas há dados que são já públicos: os testes do P85+ que protagonizará o campeonato já decorrem há algum tempo nos traçados de Barcelona e de Madrid, ao que parece com assinalável sucesso. O formato da prevê que cada fim-de-semana de corridas seja composto por uma sessão de treinos livres de 20 minutos, por uma sessão de qualificação de 30 minutos, por uma corrida diurna de 60 quilómetros e por uma corrida ao final do dia, também de 60 quilómetros – ambas realizadas no Sábado.
E outros. A Electric GT promete que cada etapa incluirá um festival de tecnologia e inovação ligado à sustentabilidade (levado a cabo na sexta-feira, na pista e nas suas imediações), com várias marcas a exporem as suas mais recentes novidades neste domínio. O que ajuda a explicar a corrida nocturna, para que o evento possa prolongar-se noite dentro, com jantar, eventos culturais de referência e uma festa de encerramento – de modo a evitar que, como é hábito nas corridas tradicionais, não termine tudo a meio da tarde, e seja possível atrair uma audiência mais jovem.
Audiência essa que, está garantido, poderá assistir às provas, e interagir com os seus intervenientes, de forma inovadora. Será possível visionar as corridas via Periscope, Twitch e YouTube, e interagir com as equipas e os pilotos através das redes sociais. E para que o campeonato cumpra o seu desígnio de inovar na forma como o público, as equipas e os pilotos se relacionam, Agustín Payá conclui: “O Electric GT introduzirá uma solução absolutamente inédita neste particular, que terá por base o ecrã de bordo do veículo. Não podemos ainda revelar os segredos desta inovação, mas posso confirmar que será uma estreia mundial, algo que nunca foi visto no mundo do desporto motorizado”. É, pois, esperar para ver.