A Investigação Científica, a engenharia e o desenvolvimento em África
África é o futuro. É mais que uma afirmação, é uma certeza. Como queremos que esse futuro seja, já é algo que podemos tentar influenciar.
Tendo nos últimos 15 anos assumido compromissos a vários níveis em estruturas académicas e de investigação e desenvolvimento (I&D), particularmente em África, acredito – melhor: sei! que o futuro tem de passar pela educação e pela aplicação de fundos substanciais em I&D.
Lembro-me por exemplo de, âmbito de uma reunião da Direcção da ANSTI (African Network of Scientific and Technological Institutions) em Kampala/Uganda, um representante da União Europeia (UE) ter manifestado a sua surpresa ao se ter apercebido do nível dos projectos das centenas de universidades africanas representadas. Mais em jeito de brincadeira (séria), atente-se às inúmeras fotografias e vídeos trocados nas redes sociais e referentes a vários temas da “Engenharia Africana”.
Claro que coexistem realidades distintas, onde instituições de capacidade reconhecida a nível mundial coexistem com outras cujo âmbito é local ou regional. Claro que os orçamentos envolvidos não são da ordem de grandeza de algumas das suas congéneres europeias, sul-americanas ou orientais. Mas a variedade, extensão e profundidade dos temas, associada a um extremado sentido de entrega e criatividade, levam muitas das instituições de I&D africanas a superarem-se e surpreenderem.
Um dos problemas que parecem minar a boa prática de I&D em África ou até, generalizando, nas zonas longe dos centros de decisão e sempre designadas de “em vias de desenvolvimento” (como se não fosse esse um desígnio da Humanidade), é a facilidade actual da “cópia”, da importação do modelo estrangeiro, da utilização de expatriados que por vezes são chamados a definir as políticas nacionais e a implementarem as suas métricas de avaliação e de cumprimento de objectivos.
Casos típicos são os projectos de edifícios com os quartos voltados ao Sol, para maior conforto, mas esquecendo o “pormenor” de o sol ter “mudado” de sul para norte, as normas de qualidade industrial que só poderiam funcionar com ar condicionado ou ainda, e aqui já no domínio aqui em questão, os carros importados dos quatro cantos do mundo e cujos motores não funcionam em África por o combustível ser diferente, a humidade excessiva ou o calor e o pó omnipresentes.
Motores, suspensões, carroçarias e demais componentes desenvolvidos e testados em África têm de ser os melhores do mundo! Porquê importar projectos se os podemos desenvolver de forma independente ? Para quando prevêem os governos e responsáveis pelos sectores da investigação e ciência nos vários países africanos atingir o valor de 1% do PIB para I&D preconizado pela ONU ? Excluindo o caso particular da África do Sul, onde o isolamento dos anos do Apartheid levou à necessidade de desenvolver produtos nacionais alternativos, quantas marcas de aviões, barcos, automóveis e motociclos são exclusivamente africanas ?
Sei que há um projecto nas universidades europeias designado de “Formula Student”, onde os estudantes de cursos de engenharia dos vários países lutam pela vitória numa competição de projecto, gestão, execução e prestações onde a criatividade é rainha.
Os verdadeiros milagres de engenharia praticados em África fazem-me acreditar no sucesso da I&D como ferramenta fundamental para garantir melhores resultados no ambicionado “desenvolvimento” dos nossos países.
Esta é a certeza que me deram os habitantes de Misrata, que fabricaram os seus próprios veículos e armas quando atacados pelo exército na Líbia em 2011, dos jovens estudantes de Tourbi no norte do Quénia que quando assolados por anos de seca imaginaram e construíram um sistema de irrigação sui generis, ou ainda os inúmeros prémios internacionais ganhos pelos inventores angolanos, com equipamentos mecânicos para fins diversos.
Juntar toda esta vontade e criatividade para “engenhar” produzir e exportar – este será o desafio da comunidade científica e técnica africana.
Nuno Gomes
Pró-reitor da UnIA