Le Mans, The Race…
No passado fim de semana realizou-se aquela que é considerada por muitos, e não só pelo JC Costa da Eurosport, a corrida de automóveis mais importante do mundo, as 24 Horas de Le Mans. Não sei se é mesmo a prova mais importante, ou a mais seguida, para além das 500 Milhas de Indianapolis ou do GP de Mónaco, mas é sem dúvida a que mais tempo está nos ecrãs de televisão em todo o mundo, especialmente naqueles países que têm uma certa tradição em automobilismo. Como por exemplo em Portugal.
Não sei quantas horas a Eurosport em português transmitiu o evento no total, mas a corrida, as 24 horas da prova, entre as três da tarde de sábado, em Le Mans, e as três da tarde de domingo, essas foram televisionadas e transmitidas integralmente. Não quero estar agora aqui a chamar a atenção para as audiências ou para o sentido de uma transmissão de noite, horas a fio. Eu sou suspeito pois para mim ” Le Mans is the race. Period!”.
Fiz essa corrida, ao vivo, umas dezasseis ou dezassete vezes, como fã, como jornalista, mais tarde como director de equipas, ganhando duas vezes seguidas, e voltei lá de novo, já pensionista, como fã. Mas, fiz também umas quantas aqui de Lisboa, na Europsort, com as chamadas directas na noite de sábado, contando muitas histórias, não todas ainda, pois foram muitos os anos de Le Mans, aos telespectadores. Mas, este ano, pela primeira vez, perguntei a mim mesmo: mas isto faz algum sentido? Os tipos sabem mesmo o que estão a fazer e a barraca que estão a dar?
Pois bem, dei comigo a julgar a presença da Nissan nesta prova. A marca japonesa foi, no mínimo, hilariante pela forma como apareceu nos ecrãs. Com uma interpretação muito sui generis do regulamento. Como se sabe, para participar na classe rainha da prova, no LMP1, um construtor deve apresentar um sistema híbrido. Ora a Nissan lançou o repto aos “Três Reis Magos” (Audi, Toyota e Porsche) com uma revolução: virou aquilo tudo ao contrário, pôs a caixa de velocidades à frente, seguido do motor V6, mais o sistema híbrido, e apresentou-se na classe máxima de 8 MegaJoules…
Ups: acho que aquilo não chegava nem a 2 MJ quanto mais aos oito. E, desta forma, largaram mesmo na classe mais pequena. Com tração dianteira, as rodas da frente, mesmo com uma dimensão maior do que as detrás, bem como uma largura também maior, não tinham forma de aguentar aquilo e o “armazém de energia” fornecido pela inglesa Torotrak, um KERS muito irrealista que ninguém queria, foi um flop.
Curiosamente, durante a transmissão, e vendo a barraca que os japoneses estavam a dar em directo na TV, também para os seus compatriotas em casa, já que Le Mans, desde a vitória da Mazda e não só desde então, é um lugar de culto e também destino de centenas de japoneses todos os anos, dei então por mim a pensar no José Megre e nos Datsun SSS, e pensei muito também no Carlos Tavares, dois portugueses ligados, de uma forma diferente, à marca agora comandada em exclusivo pelo Carlos Goshn, o polémico sírio-libanês PDG do consórcio Renault/Nissan. Se o Zé ainda fosse vivo ia lá a Le Mans e dava uma coça nos japoneses pela barraca que estavam a dar e a estragar a imagem do Entreposto… Já o Carlos Tavares nunca teria autorizado uma bodega daquelas, pois um engenheiro que se preze deve saber que a água ferve a cem graus para todos… Só o ângulo recto é que ferve a noventa graus, ou seja, não há quadraturas do círculo e os nipónicos não precisavam de estar a inventar o que já foi inventado há muito tempo. A verdadeira NISMO, que corre com tão grande sucesso há anos no Japão, não merecia estar a ser enxovalhada assim em Le Mans The Race.
Domingos Piedade