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Mais um pouco de história

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Mais um pouco de história

Num artigo anterior sobre motores Diesel de avião referi que, hoje em dia, a nível da geometria dos motores, são muito poucos os desvios aos tradicionais motores em linha e em V com mais ou menos cilindros. No entanto, na primeira metade do século XX, houve muita experiência mais ou menos bem sucedida. E se, na altura, falei de um motor de avião da Junkers e as suas diferentes encarnações, hoje vou abordar algo um pouco maior mas que ainda podem ter o privilégio de ver a operar – motores Diesel em navios.

Antes de avançar, uma pequena introdução mais ou menos técnica sobre diferenças entre motores Diesel e gasolina. Se pegarmos em dois motores atmosféricos, um Diesel e um a gasolina, com a mesma cilindrada, é perfeitamente possível que o motor a gasolina tenha o dobro da potência do Diesel. Porquê? Em primeiro lugar, num motor a gasolina convencional, a relação entre ar e combustível e aproximadamente fixa e chamada estequiométrica, isto é, por cada 14,7 g de ar que entram no motor entra 1  de combustível, pelo que se diz que a razão ar/combustível é de 14,7:1. Num motor Diesel, devido ao modo como o combustível é introduzido no motor e queimado, a quantidade de combustível que posso introduzir por unidade de ar é muito menor, um valor máximo típico da razão ar/combustível será da ordem de 25,0:1. Além disso, este valor é variável, podendo chegar a 100,o:1. O que isto quer dizer é que, para a mesma quantidade de ar a entrar no motor, consigo queimar mais combustível num motor a gasolina que num motor Diesel, logo, consigo produzir mais potência no motor a gasolina.

Em segundo lugar, também devido ao funcionamento do motor Diesel, este tem de ser mais robusto e pesado, logo, com mais limitações ao nível da rotação máxima. A combinação destes dois factores (menos combustível queimado por unidade de ar e menos rotação) faz com que a potência de um motor Diesel atmosférico seja sempre menor que a de um motor a gasolina de dimensão semelhante. A sobrealimentação, de que os motores Diesel podem beneficiar sem nenhum dos problemas dos motores a gasolina, permitiu equilibrar as duas tecnologias, e, hoje em dia, a diferença de potências entre motores a gasolina e Diesel com a mesma cilindrada é cada vez menor.

E vem isto a propósito de quê? A sobrealimentação ao nível que é usada hoje em dia em motores Diesel só é possível devido aos enormes avanços conseguidos ao nível dos materiais e dos sistemas de controlo. Antes disso, como é que era possível fazer um motor Diesel potente? Simples: fazia-se um motor maior. Muito maior! E se há aplicação para motores grandes é em navios. Aqui, o peso e o volume de um motor são secundários, sendo a eficiência e a fiabilidade privilegiados acima de tudo, pelo que desde muito cedo que o motor Diesel foi considerado a tecnologia ideal para propulsão.

Embora o peso e o volume não sejam aqui críticos, o nível de potência pretendido destes motores fazia com que, caso fossem usadas geometrias convencionais, a dimensão resultante se tornasse num obstáculo à sua instalação, pelo que desde cedo os fabricantes procuraram tornar os seus motores mais compactos, sendo que algumas geometrias interessantes foram aparecendo.

Um exemplo de um destes motores “diferentes” é o motor Doxford, produzido nos anos de 1950. Tal como o motor Junkers referido anteriormente, trata-se de um motor de pistões opostos, mas, neste caso, em vez de ter duas cambotas, o pistão superior estava ligado à cambota por tirantes. Para tentar perceber melhor como funcionava podemos atentar nas seguintes ilustrações:

Mais informação aqui: http://www.oldengine.org/members/diesel/marine/doxford.htm

Na configuração de seis cilindros, o motor debitava cerca de 6000 cv e pesava cerca de 400 toneladas. Em funcionamento, são motores muito suaves e silenciosos, com rotações máximas da ordem das 100-120 rpm. Tive a oportunidade de trabalhar de perto com um motor deste tipo e filmá-lo em operação, e o resultado é, na minha opinião, bem mais interessante que um motor moderno:

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A filmagem foi feita no andar superior do motor (para um total de três…), acompanhando o movimento dos pistões superiores. Um par de motores muito semelhantes está ainda em funcionamento, equipando um dos navios de cruzeiro da Portuscale Cruises, o M/V Lisboa.

Para finalizar, é interessante perceber qual o equivalente moderno deste motor em termos de potência. Um exemplo será o motor Mak 9M32C, que, com potência semelhante, pesa “apenas” 50 toneladas. Claro está que, neste caso, estamos a falar de um motor que, além da sobrealimentação, beneficia das mais avançadas técnicas de injecção de combustível, materiais e lubrificantes. Resta saber se vai durar 60 anos.

Gonçalo Gonçalves
Coordenador do laboratório de veículos e propulsão do DEM-IST

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