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A mobilidade individual: uma das grandes conquistas do século XX questionada no século XXI?

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A mobilidade individual: uma das grandes conquistas do século XX questionada no século XXI?

O automóvel desperta paixões e ódios. Por um lado representa a concretização de uma aspiração da maioria dos indivíduos que é a capacidade de se deslocar sem estar sujeito a outros constrangimentos se não os da sua própria vontade e disponibilidade. Por outro lado, quando olhamos para as longas filas de trânsito com a maioria dos carros a transportar uma só pessoa, questionamo-nos sobre a racionalidade deste meio de transporte. E o que isso representa em termos económicos, ambientais e de qualidade de vida.

Como em tudo na vida, o problema não está no objeto mas na utilização que dele se faz. E, ao contrário de uma visão simplista que poderá assacar aos indivíduos a responsabilidade total pela mencionada falta de racionalidade, o problema é muito mais profundo e radica em múltiplos aspetos como o ordenamento do território, a oferta de alternativas (transportes públicos) e até questões culturais. Por isso a questão da utilização racional deste meio de transporte pressupõe que as questões referidas sejam abordadas e equacionadas, se não de uma forma integrada, pelo menos de maneira coordenada.

Vem isto a propósito de muitos advogarem que a questão se resolve com uma mudança tecnológica, como é o exemplo da mobilidade elétrica. Mas pergunto eu: isso vai resolver ou sequer minorar as tais longas filas e a “irracionalidade” do transporte individual em determinados tipos de deslocações? Vai também resolver as questões económicas e o impacto ambiental?

Vamos por partes: os congestionamentos de trânsito só poderão ser eliminados ou, pelo menos reduzidos, com a transferência modal: do individual para o coletivo, do rodoviário para o ferroviário. A economia, nomeadamente por parte dos utilizadores, só é real se a aquisição de veículos for subsidiada e a energia consumida isenta da carga fiscal que é atualmente suportada pelos combustíveis tradicionais. E a pergunta imediata que se coloca é: pode o estado prescindir dessa receita se se verificasse uma adesão maciça ao novo tipo de veículos?

Eu concluiria pois dizendo que não há uma solução que num curto espaço de tempo possa alterar o paradigma que herdámos do século XX. Vamos então explorar todas as vias abertas para se progredir no sentido da criação de um sistema mais sustentável social, económica e ambientalmente. Para além do já referido em relação ao modo de transporte e ao ordenamento do território, há que explorar as enormes potencialidades que existem ao nível da eficiência no sentido lato da palavra: desde o rendimento dos motores e dos veículos, à sua utilização racional, à complementaridade das várias fontes de energia, as tradicionais e as emergentes, bem como o comportamento dos indivíduos e da sociedade. E ao Estado compete criar condições para que se assista a esta evolução, mais do que cair na tentação para ditar a solução tecnológica.

Vamos pois conciliar as virtudes de uma das grandes conquistas do século passado com as preocupações do nosso tempo!

António Comprido
Secretário-geral da APETRO

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