Motores de combustão avançados
A moda dos eléctricos tem levado a que cada vez mais “especialistas” venham a anunciar o fim do motor de combustão. Sou de opinião que esse anúncio é um pouco precipitado, por várias razões sobre as quais já tive hipótese de me debruçar. Mas há algo que é incontornável,: s exigências ambientais, e as consequências que daí advêm para os motores, em termos de consumos e emissões, não vão diminuir, e, portanto, os motores de combustão vão ter de evoluir.
No último artigo sobre motores Diesel limpos, discuti um pouco o estado da arte dos motores Diesel actuais e o quão complicado (e caro, mas não impossível) é produzir um motor a gasóleo limpo. O que é um problema, pois, se pretendermos atacar as emissões de CO2, a tecnologia Diesel tem uma considerável vantagem sobre os motores a gasolina.
Partindo do princípio que o motor de combustão ainda vai ter um papel relevante durante muitos e longos anos, é inevitável que novas soluções surjam para dar resposta a estes desafios, e hoje gostaria de falar de uma em particular; motor Skyactiv-X da Mazda, previsto para entrar em comercialização em 2019. Trata-se de um motor de 4 cilindros em linha a gasolina sobrealimentado, com uma potência de 188 cv. Até aqui, tudo normal. As diferenças, neste caso estão escondidas dentro da câmara de combustão do motor.
Pequena revisão da matéria; num motor a gasolina tradicional, funcionando em ciclo Otto, o ar e o combustível são aspirados para dentro da câmara de combustão, onde a mistura é comprimida e inflamada por acção de uma vela de ignição. Num motor Diesel, o ar é aspirado para a câmara de combustão, após o que é comprimido a pressões elevadas, com as resultantes temperaturas elevadas, que permitem que o gasóleo se auto-inflame quando é injectado na câmara de combustão. As consequências destas duas estratégias para inflamar o combustível são várias, das quais destaco:
- Num motor Otto a razão entre ar e combustível é fixa (aproximadamente 14,7), enquanto no Diesel trabalhamos sempre com ar a mais. A necessidade de controlar a quantidade de mistura para regular a potência no motor motor Otto (ao invés do Diesel, em que só temos de regular a quantidade de combustível) implica que o motor a gasolina tenha baixa eficiência quando trabalha a baixas potências.
- O motor Diesel vai ter uma taxa de compressão muito mais elevada (18-20:1) do que no motor a gasolina (9-11:1), o que vai aumentar a sua eficiência. No caso do motor a gasolina, a taxa de compressão é limitada pela ocorrência de detonação, situação indesejável, em que a mistura se auto-inflama sem ser por acção da vela de ignição.
- No motor Diesel, ao não ter uma mistura prévia do ar e combustível , vou ter problemas de formação de poluentes, em particular de partículas.
- Em ambos os casos, em consequência da ocorrência de temperaturas muito altas na câmara de combustão vai ocorrer a formação de NOx (óxidos de Azoto)
Posto isto, o que os engenheiros da Mazda desenvolveram é um motor que vai buscar o melhor de dois mundos, juntando a eficiência do motor Diesel com a relativa limpeza de um motor Otto, reforçada por trabalhar a temperaturas mais baixas. O processo em causa é denominado HCCI (Homogeneous Charge Compression Ignition – Ignição por Compressão de Mistura Homogénea).
Vamos por partes. Mistura homogénea quer dizer que o ar e o combustível são misturados quando estão a entrar na câmara de combustão (como num motor a gasolina), com o detalhe de a razão ar/combustível ser muito mais pobre (ar a mais) do que num motor convencional. Isto permite, desde logo, aumentar a eficiência do motor, mas traz um problema: não é possível inflamar esta mistura com uma vela.
E é aqui que entra a segunda parte: Ignição por Compressão. Este fenómeno ocorre quando uma mistura de ar e combustível se auto inflama quando sujeita a temperaturas elevadas, e vai permitir que esta mistura, que de outra forma não arderia, entre em combustão. Como vimos, este processo é essencial a um motor Diesel, mas indesejado num motor a gasolina convencional, devido à ocorrência de detonação.
A chave do processo é, precisamente, esta “detonação controlada” da mistura homogénea, o que é possível recorrendo a um conjunto de estratégias que a Mazda implementou, que envolvem também o uso de uma vela de ignição para ajudar ao processo. O controlo de todas estas variáveis (sobrealimentação, injecção e ignição) é essencial para garantir a estabilidade de funcionamento do motor. O que resulta, assim, é um motor com elevada taxa de compressão (15-16:1, que vai promover a eficiência), com mistura homogénea (previne a formação de partículas) e excesso de ar (que diminui as perdas no motor e permite baixar a temperatura de combustão, e, consequentemente, a formação de NOx). Adicionalmente, estas condições são mantidas numa gama alargada de rotações e cargas, o que potencialmente torna este motor muito mais confortável de utilizar que os convencionais tradicionais motores Diesel.
É interessante ver como a Mazda, um “pequeno” construtor automóvel, se conseguiu antecipar aos gigantes desta indústria – veremos se vai ter companhia no futuro. E se isto for um sinal do que serão os motores de combustão do futuro, creio que ainda nos vão acompanhar por muitos anos.
Gonçalo Gonçalves
Professor no Departamento de Engenharia Mecânica do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa