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O álcool e a condução

Artigo
O álcool e a condução

Durante o Verão, há muitas oportunidades para piqueniques, churrascos, jogos ao ar livre, festivais e celebrações de férias. Às vezes, isso inclui desfrutar de uma bebida alcoólica ou duas, ou três, ou muitas…

A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) refere que os jovens constituem um dos grupos etários de risco envolvidos em acidentes. O egocentrismo próprio da juventude, a procura de novas experiências e uma maior sensação de invulnerabilidade, levam frequentemente à adoção de comportamentos de risco, onde se inclui, por vezes, a condução sob a influência do álcool.

Os acidentes a envolverem jovens condutores sob o efeito do álcool ocorrem essencialmente de noite, em situação de lazer, sendo o Verão e as alturas festivas propícias ao consumo, como inicialmente referido. Desta forma, é de fulcral importância que os jovens, com vista à sua própria segurança e à dos outros utentes da via pública, se revezem entre os elementos do grupo em que se inserem, no sentido de um deles não beber para que a condução se processe com a máxima segurança possível. Uma série de campanhas têm vindo a ser desenvolvidas neste sentido, o condutor 100% cool, as senhas de gasolina a condutores 100% Cool fornecidas pela GNR, e até existem redes de boleias online para “tornar as tuas noites ainda mais divertidas e seguras”.

Após a ingestão de bebidas alcoólicas, o processo de absorção inicia-se de imediato e o álcool entra diretamente no sistema circulatório, atingindo rapidamente o cérebro, afetando as capacidades cognitivas e percetivas do condutor, em especial a visão e a audição. Reduz o campo visual, a capacidade de exploração visual, a visão dupla e redução da capacidade de readaptação após encandeamento. Também afeta a capacidade de reação, diminui a coordenação motora e a capacidade de avaliação das distâncias, promove a tendência para a sobrevalorização das capacidades e, consequentemente aumenta o risco de acidente.

Um condutor atinge a Taxa de Alcoolemia no Sangue (TAS) máxima cerca de uma hora, após a ingestão da última bebida. O processo de eliminação do álcool no organismo é realizado pelo fígado, pelo ar expirado, pela urina e pela transpiração. É um processo lento, a TAS reduz-se entre 0,10 g/l e 0,15 g/l por hora.

Consideremos um condutor, o João de 30 anos de idade. Numa qualquer noite de Verão foi jantar e sair com uns amigos, um martini, uma ou duas minis, sangria ao jantar e mais umas bebidas durante a noite.

Sentindo-se porreiro, o João conduziu de regresso a casa. Talvez por infelicidade, distraiu-se e mudou de via de trânsito inadvertidamente (o João ainda não tem um carro com Assistente de Faixa de Rodagem). Bateu no António que vinha de frente e em sentido contrário.

João e António ficaram encarcerados no veículo de cada um, esperando pelos bombeiros, pelas autoridades policiais e pelo INEM. Depois das operações de desencarceramento e pela estabilização de ambos, forma transportados para o Hospital mais próximo. O António morreu durante o caminho. O João foi operado de urgência mas safou-se.

A análise toxicológica de quantificação da taxa de álcool no sangue do João revelou uma TAS de 0,90 g/l (gramas de álcool por litro de sangue), que constitui uma infração muito grave ao Código da Estrada. A colheita foi realizada às 04h00. Segundo a literatura uma TAS de 0,90 g/l aumentará o risco de acidente entre 4 a 5 vezes.

Sabendo que o acidente ocorreu pelas 00h30, que a última bebida alcoólica foi consumida pelas 23h00, então pode ser realizada uma estimativa do valor mais elevado para a TAS e o valor da mesma TAS à hora da colisão.

Considerando que o organismo de João metabolizava o álcool lentamente, reduzindo a TAS a 0,10 g/l por hora, demoraria cerca de 9 horas a fazê-lo. Por outro lado, se a TAS se reduzisse a 0,15 g/l demoraria cerca de 6 horas.

A figura seguinte mostra que à hora do sinistro (00h30) e considerando as taxas de eliminação de álcool do organismo de 0,10 e 0,15 g/l por hora, a TAS de João estaria aproximadamente compreendida entre os 1.25 g/l e de 1.43 g/l, respetivamente.

As consequências da condução sob o efeito do álcool já aqui foram referidas. Assim, este exemplo serve para exemplificar que a ciência, os agentes policiais e os investigadores de acidentes podem (e devem) ter em atenção o tempo decorrido entre o acidente e teste de alcoolemia.

Neste exemplo ficcionado, mas baseado num caso real, uma Taxa de Alcoolemia no Sangue de 0,9 g/l (contraordenação muito grave) veio a revelar-se um crime rodoviário à hora do acidente (TAS superior a 1,2 g/l) e que certamente poderá (e deverá) influenciar a decisão Judicial por parte dos Juízes de Direito na responsabilização da morte do António.

Ricardo Portal
Investigador de Sinistros – icollision

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