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O equívoco (?) dos combustíveis low cost

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O equívoco (?) dos combustíveis low cost

O Governo apresentou recentemente no Parlamento a proposta de lei 220/XII, que pretende obrigar os Postos de Combustível a disponibilizar combustíveis indiferenciados, com o intuito confessado de provocar uma significativa queda de preços. Apresentado nestes termos, é natural que consiga um amplo apoio popular baseado numa promessa demagógica e não fundamentada, que coloca sérios problemas aos postos que ostentam as marcas das companhias petrolíferas.

E este é o primeiro aspeto com o qual não posso deixar de manifestar o meu desacordo: a publicação de legislação que visa apenas um determinado tipo de operadores, num mercado liberalizado e concorrencial, onde já são dadas benesses a alguns operadores, como são os casos de facilidades no licenciamento e isenção de taxas, que a outros são exigidas. É por isso que considero esta iniciativa desequilibrada face à completa falta de equidade nas condições impostas aos vários tipos de operadores. Para além disso, acho que é injustificada, inconsistente e desnecessária. Injustificada porque subverte o modelo de funcionamento do mercado, frustrando as legítimas expectativas dos operadores que basearam os seus modelos de negócios em pressupostos que agora vêm alterados. Vem ainda provocar a erosão do valor das marcas, que apostaram na diferenciação de produtos e serviços como a sua estratégia para concorrer num mercado altamente competitivo. Inconsistente porque ao querer proporcionar preços mais baixos aos consumidores, vai impor investimentos e aumento dos custos operacionais em contradição com o objetivo anunciado. Desnecessária porque a evolução do mercado desde a sua liberalização em 2004, veio permitir a entrada de novos operadores, com modelos de negócio diferentes, que lhes permite oferecer preços inferiores e produtos na generalidade indiferenciados. Existe hoje uma enorme panóplia de ofertas que permite aos consumidores definir onde querem abastecer e que tipos de produtos pretendem adquirir.

Há, acima de tudo, um enorme equívoco nesta iniciativa. Confunde-se o conceito de “low cost” com um produto, quando todos (?) sabemos que é algo muito mais abrangente. Para oferecer um produto ou serviço a baixo custo é necessário estruturar o modelo de negócio em determinados pressupostos. No caso dos combustíveis isso passa, entre outras coisas, pelo investimento inicial, horários de funcionamento, oferta reduzida de serviços, produtos mais simples e sinergias com outras áreas de negócio, como é o caso evidente das grandes superfícies comerciais. Querer que os operadores tradicionais reduzam os seus preços, só com base nos produtos que comercializam, demonstra uma enorme falta de conhecimento do funcionamento deste mercado. Aliás, se atentarmos em outras áreas de negócio, verificamos que a regra para oferta de produtos ou serviços de baixo preço passa sempre pela criação de um modelo de negócio específico e pelas características dos estabelecimentos, e não pela introdução de produtos indiferenciados. Veja-se o que se passa em sectores como a restauração, hotelaria, transportes aéreos, seguros, banca, etc. Há sempre organizações de raiz para proporcionar esta oferta e não a introdução de produtos ou serviços de baixo custo nas organizações existentes, recorrendo-se muitas vezes a uma 2ª marca, para evitar a erosão da marca principal, quando o grupo empresarial é o mesmo.

Infelizmente estes argumentos, várias vezes apresentados aos responsáveis políticos, não tiveram acolhimento. Mas o que mais me preocupa foram as “orelhas moucas” que o Governo fez ao parecer da Autoridade da Concorrência sobre o projeto de Decreto-Lei que, em termos de conceito, não difere substancialmente da proposta de lei agora em discussão. Parece que as decisões são tomadas com base noutros critérios, que não os do rigor e da sustentação em dados e evidências, como os que aquela entidade, que tão bem conhece o mercado, fez atempadamente chegar aos autores do projeto de diploma.

António Comprido
Secretário-geral da APETRO

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