O poder dos sonhos
Foi interrompendo a música épica, que até aí marcara os momentos altos da apresentação da Honda no sumptuoso stand da marca no EICMA, que Marc Marquez, o mais recente fenómeno “extraterrestre” do motociclismo desportivo, subiu “ao palco” para o climax daquela segunda meia hora do dia (as apresentações em Milão são servidas em doses de meia hora). Vinha vestido de negro, para condizer com a roupa de carbono que a barulhenta – e, não só por isso, impressionante – moto que conduzia trazia vestida. À vista de todos, enquadrada na provocação daquele sorriso rasgado recém coroado bi-campeão do Mundo, ali estava: a moto de Grande Prémio feita para a estrada, a Honda RC 213V-S.
Sim, noutros tempos, só as marcas “pobres” faziam revelações ao mundo nos seus stands nos salões. Sim, noutros tempos, a RCV teria sido apresentada no auditório da Pirâmide do Louvre, numa Igreja setecentista no coração da Suiça, como outras históricas “asas verdadeiramente douradas” de Hamamatsu, ou, sei lá, num qualquer Guggenheim, no MOMA ou no Coliseu de Roma… Mas, os tempos são outros. Mesmo. E assim, aquela que é provavelmente a moto de estrada mais extraordinária alguma vez construída conheceu o primeiro banho de flashs no seu púlpito milanês. Mas isso não deslustra o seu encanto, nem o seu brilho de estrela maior no firmamento da indústria da especialidade, sobretudo naquela decoração HRC com o Sol Nascente pintado, grande, no flanco.
Não poucas vezes, a Honda – marca que nos habituámos a referir como “o maior construtor mundial” – mudou o curso da história ou cravou bem fundo nas suas páginas marcos insuperáveis. Vêm-nos à memória rapidamente: a CB 750 Four, a VFR 750F, a RC 30, a CBR 900 RR Fireblade, até a CBR 1100 XX Super Blackbird e, acima de todas, aquela que mais se aproxima em “statement” desta RCV, a NR 750! Todas estas motos – e tantas outras – construíram a reputação da Honda, grangearam em seu torno respeito, tornaram-na, efectivamente, no maior construtor de motos e, provavelmente, no melhor construtor de motos do mundo.
Nos últimos anos, porém, a marca corrigiu o tiro, percebeu a crise mundial e atirou-se ao mercado das utilitárias económicas criando e ganhando um novo mercado, ao qual a concorrência respondeu tarde. Parecia assumir-se como uma marca cinzenta, racional como sempre foi, mas agora também sem chama. Os produtos de entuaiasmo íam desaparecendo do catálogo, dando lugar a insípidos e ensonsos “veículos de locomoção”.
Eis pois, chegados à “impossível” RC 213V-S, uma máquina de Moto GP construída para a estrada que vai custar perto de €200 000 (não é gralha), da qual só se vão construir 213 unidades, e que terá uma equipa de mecânicos vinda da fábrica para fazer a assistência, importa perceber o porquê da sua existência. Porque fez a Honda esta moto? A primeira resposta é óbvia: porque pode! Quem mais o faria?… Mesmo a Desmosedici, da Ducati, não é a mesma coisa. E, depois, porque talvez as gerações mais recentes (em idade e na prática motociclística) estivessem esquecidas de “quem” é a Honda. Com a RCV “Street legal” a marca japonesa volta a fazer uma declaração muito clara de poderio e domínio. E essa é a outra resposta, quem sabe, a mais importante.
O lema da marca é “The Power of Dreams”. E assim não admira que esta moto tenha sido construída para fazer sonhar. Como só a Honda pode e sabe.
Vitor Sousa
Assessor de Comunicação