O preço dos combustíveis…. outra vez
Quando julgávamos que os equívocos e as inverdades sobre o funcionamento do mercado dos combustíveis, nomeadamente no que se refere a preços, estivessem de vez arredados da discussão na praça pública, eis que surgem várias afirmações nos OCS que retomam o “velho preconceito” de que as empresas petrolíferas não refletem nos preços de venda dos combustíveis as quedas acentuadas do petróleo a que se assistiu nos últimos tempos.
Felizmente, há já hoje muitos jornalistas que de um modo sério e factual fazem as suas análises e previsões com base nos dados que são do conhecimento público, e não em perceções ou mesmo preconceitos que outros teimam em usar. Continuaremos pacientemente a tentar esclarecer quem tem interesse na matéria, convencidos de que a verdade dos números acabará por dissipar as dúvidas e suspeições que alguns teimam em levantar.
Comecemos então por uma questão muito simples: os preços resultam do funcionamento dos mercados e não de uma qualquer regra administrativa que conduza ao cálculo de um preço a praticar por todos os revendedores de combustíveis. É por isso que encontramos valores tão diferentes entre as marcas, e mesmo dentro da mesma marca, dependendo da localização, das campanhas, dos descontos e de múltiplas iniciativas de marketing que são comuns nos mercados de bens de consumo.
Mas vale a pena recordar que quando falamos de mercados, no plural, o fazemos propositadamente, pois ao longo da cadeia de valor há várias situações em que os preços variam sem que haja uma relação direta e imediata, como alguns querem fazer crer, entre o preço da matéria-prima (petróleo bruto) e o preço de venda dos combustíveis rodoviários.
Comecemos pelo petróleo bruto. Trata-se de um mercado global à escala mundial de grande liquidez onde, salvo algumas restrições técnicas e comerciais, é possível adquirir e movimentar o produto em e para qualquer parte do globo. Mesmo assim, existem diferentes valores de referência, que têm em conta as características do produto e os locais onde são transacionados. Para o caso de Portugal, a referência é o valor do barril de Brent. O petróleo é depois refinado e são colocados no mercado os produtos que dele se obtêm, entre os quais estão a gasolina e o gasóleo. Embora haja importantes fluxos transcontinentais, são mercados de características mais regionais, já que é normalmente mais favorável adquirir os produtos nas refinarias da região, minimizando os custos de transporte.
Como facilmente se poderá constatar a partir de dados publicados por várias entidades credíveis, as cotações destes produtos não seguem no imediato as variações das cotações do petróleo, dependendo da maior ou menor oferta e procura dos mercados, tendo em conta a sazonalidade do consumo, as condições climatéricas e o estado das economias locais, entre outros fatores. Não é invulgar que durante alguns períodos de tempo as refinarias operem com margens negativas, sendo também esta margem outro fator que impede a repercussão imediata e total entre os preços da matéria-prima e o dos produtos finais. Obviamente que, em séries longas, as evoluções seguem tendências análogas. Como a moeda de referência é o dólar e nós pagamos os produtos em euros, outro fator de influência decisiva é a taxa de câmbio, também muitas vezes ignorada nas análises superficiais. A título de exemplo, e usando o período que tem sido muito noticiado, enquanto o petróleo caiu cerca de 45 % entre Agosto de 2014 e Agosto de 2015, a gasolina caiu 31 % e o gasóleo 37 %, valores em Euros. Finalmente temos os mercados locais onde se formam os preços de venda dos combustíveis rodoviários, sujeitos à concorrência já acima referida.
Outro aspeto simples, mas muitas vezes ignorado por alguns autores, é a comparação em termos percentuais das variações das cotações das matérias-primas e dos preços de venda ao público. Se a matéria-prima não representa mais que 25 a 30% do preço final, obviamente que a variação percentual deste só poderá refletir essa componente. No caso em análise, os preços médios de venda ao público caíram respetivamente 6% e 11%, o que tendo em conta o peso da cotação, respetivamente 25 e 30%, estão em perfeita consonância. Para além disso, no início de 2015 houve lugar a agravamentos fiscais, por via da atualização da contribuição para o serviço rodoviário e da introdução da taxa de carbono e aumento da obrigação de incorporação de biocombustíveis, que são mais caros, de 5.5% para 7.5% em teor energético, o que a ser tido em conta mostraria que pelo menos no gasóleo, a descida do preço de venda ao público foi para além do efeito resultante da descida da cotação. Ignorar estes aspetos ou configura desconhecimento de princípios simples ou, pior, vontade de confundir os consumidores.
António Comprido
Secretário-geral da APETRO