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O velho novo Mondeo

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O velho novo Mondeo

Ainda me lembro como se fosse ontem. Não pela importância do evento, mas sim pela escala: mais de 300 jornalistas e dois mil representantes de concessionários, todos encafuados no Ziggo Dome, o equivalente amesterdânico ao nosso Meo Arena, mas a cem passos do estádio do Ajax. O motivo para todo este pesadelo logístico era a mega-revelação dos novos modelos da Ford, a começar no Ecosport, quiçá o símbolo máximo da globalização dos modelos da marca; passando pelo americanizado Kuga – exemplo do que poderia ter sido o Qashqai se a Ford tivesse redireccionado motores 1.6 Diesel para este modelo pelo anúncio da nova geração do Mustang e culminando naquela que era a maior das novidades – o Mondeo. Pelo meio de todo o espectáculo de luz e de cor, a habitual divulgação de resultados: apresentação de um crescimento a toda a escala e, sobretudo, o desvendar da estratégia de mestre que evitou que a Ford fizesse parte do bailout a que a GM e a Chrysler foram sujeitas. Para referência, tome nota: este evento teve lugar a 6 de Setembro de 2012.

Alan Mulally, antigo homem forte da marca e então visto internamente como um gestor absolutamente genial, fez questão de estar à porta no final do evento, cumprimentando todos os que lhe dirigiam o olhar. No balcão de check out do evento, hospedeiras distribuíam uma pseudo-biografia autorizada do californiano que contava a epopeia da salvação da Ford. Narciso renascido, ou, como reza o título deste mesmo livro, um “American Icon”. Um autêntico Deus do Olimpo disponível, de acordo com a Forbes, em 2013, por dois milhões de dólares de salário anual. E 1,96 milhões de dólares de “bónus”. E com 11 milhões de dólares em acções. E mais 8 milhões de dólares em outros tipos de compensações e bónus.

A 25 de Outubro, ou seja, passados menos de dois meses após todo o circo de Amesterdão, a Ford anuncia que no continente europeu seria feita uma revisão brutal à máquina do construtor: as fábricas de Southampton, Dagenham e Genk foram consideradas descartáveis em tempos de crise, e o Mondeo, esse, seria atrasado para uma data algures em 2013. Pelo meio, estavam em jogo os postos de trabalho de 5700 pessoas espalhadas pelas três unidades, obrigando ainda a deslocalização de todo o tooling do Mondeo para a fábrica de Sevilha. Não se tratando de aparafusadores do Ikea, suspeito que tenha demorado o seu tempo.

Com tamanha revolução em marcha, é impossível não questionar o timing e as intenções de Mulally, que montou um mega-lançamento (em pleno território europeu!) como uma forma de abafar, ainda que de forma apenas temporária, o enorme sacrifício feito na Europa em nome do nome – passe o pleonasmo – da Ford nos Estados Unidos da América.

E que é feito do novo Mondeo? Dois anos e alguns meses depois de ter sido lançado no mercado norte-americano com o nome Fusion, continuamos à espera do familiar médio. Os restantes construtores generalistas esfregam as mãos, muito agradecidos à Ford, roubando-lhe aquilo que eventualmente seria uma parcela ainda significativa de quota de mercado, já que a maioria das marcas já tratou de fazer o lançamento da sua nova geração: há dois anos a Peugeot lançava o novo 508 (e até já o actualizou entretanto); a BMW, o novo Série 3; A Mercedes, o disruptivo Classe C da nova geração; a Mazda, o novo 6. Pior ainda: o mercado dos familiares médios opera na sua maioria no mercado das frotas, pelo que, seguindo a regra habitual, estão assegurados pelo menos 48 meses de AOV/leasing, o que significa que só daqui a dois anos chegará a renovação da frota; sensivelmente na mesma altura em que forem lançados os restylings dos modelos supracitados. É verdade que o Mondeo nunca seria lançado exactamente no momento do do Fusion porque no mercado europeu a vida da geração anterior estava, no momento da apresentação, no seu quinto ano. Mas o atraso fez-se sentir. E depois desse atraso, seguiu-se outro: afinal, seria só no final de 2014. Em Portugal, eventualmente, tê-lo-emos no primeiro mês de 2015, arrastando ainda mais o atraso. É o atraso do atraso do atraso. Se isto fosse um filme do Christopher Nolan, chamar-se-ia “Atrasoception”.

A comunicação institucional fará certamente um bom trabalho, defendendo a sua dama e apelando à forte componente tecnológica do “novo” Mondeo – forte no sentido em que, no melhor dos casos, equivalerá à tecnologia dos modelos lançados há dois anos, apostando em mais uma versão do sistema multimédia com reconhecimento de voz Sync e um sistema de travagem activa com reconhecimento de peões. As motorizações estão, mais coisa menos coisa, em linha com os dos restantes concorrentes, com a aposta a ser feita nos Diesel 2.0 com 150 cv e 180 cv. Fica por determinar como é que o valor residual será programado (ou melhor, determinar a forma como este atraso vai determinar a desvalorização) e de que forma a “centralização” ibérica da Ford em Espanha vai afectar o preço da variante carrinha – as versões SW não têm expressão em Espanha, mas em Portugal são a espécie dominante… A verdade, essa, é imutável: de novo, este Mondeo não terá nada. E o sucesso pode muito bem estar condenado à partida.

E Alan Mulally, agora reformado, dormirá tranquilamente. “You have to look at the world the way it really is and then deal with it”, disse o ex-CEO há cinco anos numa entrevista ao The Guardian. Como qualquer bom americano de gema, “world” e “USA” são, para ele, sinónimos.

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Sobre o autor
Pedro Mosca