Os vistos e o desporto
Vai ter início em Tavira, no Sul de Portugal, o campeonato do mundo de vela de juniores (ISAF Youth Sailing World Championship). Atletas de todo o mundo irão bater-se por um dos títulos mais cobiçados no mundo da vela, o de “futura ameaça” aos campeões mundiais e olímpicos.
Sou adepto do desporto, não apenas o que envolve motores nem tão só o futebol. O desporto movimenta multidões e entusiasma jovens em todo o mundo, alimentando sonhos e criando alicerces para um mundo mais aberto, tolerante e positivo.
Ora, chegado ao local da prova, começando a circular e a conversar com todos e apreciando as trocas de ideias com representantes dos vários cantos do mundo (como se o mundo tivesse cantos, numa clara expressão de que alguns se assumem como “centros” do mundo…), admirei-me de não encontrar atletas africanos. Que eu saiba há inscrições de delegações da Africa do Sul, Angola, Moçambique, Argélia, Tanzânia, e é provável que também venham a Tunísia, Marrocos e Seychelles.
Percebi então que os atletas destes países estavam, uns mais que outros, com dificuldades em obter vistos para participar numa prova desportiva desta envergadura. Sei por exemplo que a Tanzânia conseguiu à última da hora (há dois dias) garantir vistos de entrada via Espanha e a todo o momento se espera que a delegação angolana consiga – miraculosamente – as desejadas autorizações para entrar no espaço Schengen, neste caso em Portugal.
Sei que o tema é sensível. Tenho a noção, concorde ou não, sobre conceitos como proteccionismo laboral ou até a famosa reciprocidade no que respeita à concessão de autorizações de entrada de estrangeiros em território nacional. O mesmo se passou num caso em que estive envolvido há uns meses, em Angola, quando da necessidade de entrada de convidados académicos para participarem de uma conferência em Luanda – e as suas comunicações tiveram de ser anuladas por não lhes ter sido concedida autorização de entrada no país em tempo útil.
Parece-me no entanto sempre limitador de um mundo mais aberto, participativo, justo, “global”, que – sistematicamente, e de forma aparentemente indiscriminada – se coloquem dentro de um grande saco os desportistas, cientistas, técnicos, turistas, bandidos, terroristas e outros “artistas”!
Tenho sempre o sonho de ainda voltar a ver provas de Fórmula 1 em África (lembram-se de Kyalami?), ou mesmo um campeonato continental de velocidade ou todo-o-terreno, em provas internacionais com estrelas mundiais, a decorrer em vários países. Como já aqui escrevi, os africanos são fervorosos admiradores de tudo o que seja desporto e muito em particular de todos os que envolvam motores, TT, velocidade, carros, motas, karts, etc. Seria certamente um sucesso e um passo mais para uma África mais aberta, mais bem recebida, mais apreciada, mais visitada! Mas com estes problemas de obtenção de vistos…
Assumindo a necessidade que os Estados têm de controlar as suas fronteiras e o fluxo migratório que as cruza, as questões de segurança, assumindo ainda a existência de conflitos e alguma instabilidade que infelizmente ainda existem em alguns países africanos, não haverá forma mais automática, célere e eficaz, de permitir que desportistas, académicos, turistas, circulem e visitem a Europa, sem esta incerteza de “vai ou não vai”? Não se pode criar um “Passaporte Desportivo”? As aplicações informáticas, bases de dados, reconhecimento biométrico, ou outras tecnologias, não podem ajudar a acelerar este processo?
Espero que os jovens atletas africanos da vela consigam chegar a tempo deste Campeonato do Mundo de Juniores que se realizará de 12 a 20 de Julho em Portugal. Sei que a equipa de Angola já foi obrigada a faltar a um estágio de adaptação ao local da prova que tinha marcado junto com a equipa portuguesa e australiana (ambas com potenciais candidatos a títulos). São farpas na vida destes jovens que, penso eu, custarão esquecer.
Como agora se ouve muito em Angola: “Vamos lá !” (Oxalá nos deixem ir…)
Nuno Gomes
Pró-reitor da UnIA