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Reconstituição de sinistros rodoviários?

Artigo
Reconstituição de sinistros rodoviários?

Quando um sinistro rodoviário ocorre torna-se necessário apurar exatamente as suas causas, para que sejam combatidos os tipos e condições de sinistro que provocam maior prejuízo físico, psicológico, social e económico e atribuir responsabilidades. O sinistro pode ocorrer por algum problema no veículo ou na via, ou por alguma falha do condutor de um veículo ou de um peão. Muitas vezes o sinistro ocorre por uma qualquer combinação das referidas hipóteses.

Em artigos anteriores foram referidos sistemas de segurança ativa e passiva dos automóveis que certamente mitigaram e continuarão a reduzir a ocorrência de sinistros e as suas consequências. Os sistemas de piloto automático (ou melhor, piloto automatizado) terão um papel importante num futuro próximo. Contudo, já existe uma morte num sinistro em que o piloto automatizado se encontrava ativo. Certamente, nesse sinistro, a informação dos sistemas telemétricos, ou seja, a monitorização contínua dos dados dos veículos que precederam o sinistro e que ficam registados (numa “caixa preta”) serão importantes. Dados como a posição, velocidade, acelerações, posições dos pedais e do volante, rotações do motor, permitem identificar as causas que originaram o sinistro ou pelo menos saber as condições em que se encontrava o veículo. A associação britânica RoSPA  defende a utilização de dispositivos telemétricos e/ou similares, como uma das medidas da estratégia de segurança rodoviária para a diminuição das vítimas em sinistros rodoviários, dado que o número de vítimas se tem mantido estagnado nos últimos anos. Nestes sistemas podemos também incluir a utilização de câmaras a bordo, que como já abordado, podem constituir uma mais-valia para o apuramento do que realmente sucedeu durante um sinistro.

Quando o sinistro ocorre e é necessário determinar a sua dinâmica, torna-se necessária a reconstituição científica de acidente. Existem atualmente programas comerciais para a reconstituição de acidentes, como o PC-Crash que pode envolver qualquer tipo de veículo (até 32 veículos) e peões. A reconstituição científica é válida em tribunal e assenta em princípios da física e da engenharia que aliada a simulações computacionais avançadas permite fornecer uma descrição pormenorizada da dinâmica de um sinistro. Nomeadamente, determinando:
– Velocidade
– Forças e acelerações
– Trajetórias de circulação pré e pós impacto.
– Localização do ponto de impacto
– Compatibilidade entre deformações de veículos.
– Compatibilidade entre deformações de veículos e lesões de ocupantes
– Energia de deformação
– Análise de visibilidade
– Análise da presença de álcool e substâncias psicotrópicas na produção e consequências do acidente.


No PC-Crash, a simulação de impactos baseia-se no modelo de impulso-restituição de Kudlich Slibar, que pressupõe a definição de um ponto de impacto. Este ponto corresponde ao local onde se considera que é exercida a força de impacto e localiza-se na área deformada dos veículos, a área de sobreposição. A elasticidade do impacto é calculada com base no coeficiente de restituição definido. Neste modelo também é considerado o deslizamento de um veículo ao longo de outro ou de um objeto fixo, em função do ângulo do plano de contacto e do coeficiente de atrito. O utilizador pode alterar qualquer destes parâmetros de impacto.

São especificadas as condições no impacto para os veículos (correspondentes às posições e velocidades pré-impacto). Em seguida são determinadas as condições pós-impacto pelo software, com base na conservação dos momentos linear e angular e nas leis da dinâmica de Newton.

A profundidade de deformação de cada veículo é definida pelo utilizador, com base nas posições definidas dos veículos e ponto de impacto. A profundidade de deformação de cada veículo corresponde à distância do ponto de impacto até ao exterior do contorno retangular do veículo não deformado, calculado na direção do vetor de impulso da colisão. A profundidade de deformação não é utilizada no cálculo das condições pós-impacto, mas sim para distribuir a energia de deformação entre os veículos, a fim de calcular a velocidade de energia equivalente (Equivalent Energy Speed – EES). A EES corresponde à velocidade que um veículo tem de colidir com qualquer objeto fixo e rígido de modo a que possa dissipar a energia de deformação necessária para que ocorram as deformações que observam no veículo após a colisão. Note-se que não se tratam das velocidades de circulação dos veículos no acidente. A distribuição da energia de deformação entre dois veículos em colisão depende das massas dos veículos e as profundidades de deformação.

Tipicamente, a reconstituição científica de sinistro inicia-se pela análise do local da colisão, das condições climatéricas e de visibilidade e pela existência de vestígios no local, como restos de peças, marcas e sulcos no pavimento e na restante envolvente. Dependendo da complexidade do local, poderá ser necessário o levantamento topográfico ou mesmo o levantamento com Laser 3D, além dos croquis elaborados pelas autoridades, para a construção do cenário, à escala, para as simulações computacionais. A análise às deformações dos veículos é fundamental para estabelecer a compatibilidade dos danos dos mesmos. Assim como a análise das lesões dos intervenientes no sinistro, principalmente quando existem peões ou motociclistas envolvidos, nestes casos, as autópsias ou relatórios médicos são fundamentais. Quando existem testemunhas, é necessário analisar o seu depoimento, nas várias fases do processo, e estabelecer as várias hipóteses e cenários resultantes desses depoimentos, e que poderão ser alvo de simulações computacionais.

Ricardo Portal
Investigador de Sinistros – icollision

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Ricardo Portal