Tinha um STOP. Sou sempre culpado?
Uma das colisões mais usuais ocorre num entroncamento ou cruzamento em que existe necessariamente cruzamento entre veículos. Normalmente, um dos condutores dos veículos depara-se com perda de prioridade regulada por sinalização vertical do tipo B2 (paragem obrigatória: vulgo sinal de STOP). Um condutor que tenha perda de prioridade num cruzamento e colida com outro veículo é sempre culpado do acidente?
O Núcleo de Investigação de Acidentes Rodoviários (NIAR) do Instituto Superior Técnico (IST) diz que “no passado a resposta talvez fosse sim, mas com as técnicas de reconstituição de acidentes pode-se determinar com razoável precisão a velocidade dos veículos. Esta precisão depende da qualidade dos dados disponíveis, tais como qualidade do auto do acidente e croqui, disponibilidade para inspeção dos veículos acidentados, qualidade das fotografias dos veículos acidentados. Por outro lado, analisando o meio envolvente e considerando parâmetros como as condições atmosféricas e de visibilidade, é possível, por exemplo, determinar se o condutor que tinha a perda de prioridade podia ou não visualizar o outro interveniente no acidente. Se por exemplo o outro condutor estiver a violar os limites de velocidade impostos podemos ter uma situação em que ambos os condutores violaram o código da estrada. Em resumo nem sempre o condutor que se depara com a perda de prioridade é culpado do acidente“.
A experiência como investigadores de sinistros no IST e na icollision mostra que esta continua a ser uma colisão em que as seguradoras não investigam, considerando automaticamente que os condutores que se depararam com o sinal de STOP são 100% responsáveis pela colisão, sendo seus segurados ou não. Inconformados com esta decisão, muitos condutores pedem-nos Reconstituições Científicas da Colisão para determinar a dinâmica do sinistro, nomeadamente a velocidade dos veículos.
Dentro da margem de incerteza destes estudos nunca poderemos provar que o veículo efetivamente se imobilizou na sinalização de STOP, ou seja, nunca poderemos determinar velocidade nula, mas apenas se a velocidade era realmente reduzida, por exemplo 5 km/h. Só com um sistema de câmaras a bordo (tema já abordado em artigos anteriores) seria possível provar que o veículo efetivamente se imobilizou. Já para o outro veículo é possível determinar a velocidade de circulação através das deformações, posições de imobilização, etc.
A colisão descrita acima foi estudada no seguinte cenário hipotético: o veículo Vermelho (doravante denominado VV) imobiliza-se no sinal STOP do arruamento A, não avistando nenhum outro veículo em circulação avança, virando à esquerda, passando a circular no arruamento B. O veículo Azul (doravante VA) circula nesta via no sentido do cruzamento entre os arruamentos.
Em seguida serão estudados dois casos divergindo apenas na variável velocidade de circulação do veículo VA. Assim, no primeiro caso a velocidade de circulação do VA é de 85 km/h, desrespeitando o limite de velocidade de velocidade (50 km/h) em 70%, e no segundo caso, a velocidade de circulação do VA é de 50 km/h, respeitando o limite de velocidade imposto na interseção. Em ambas as situações, o veículo VV imobiliza-se no sinal de STOP e o seu condutor, confirmando que não existe nenhum veículo no arruamento B, toma a decisão de avançar.
O condutor do veículo VA, ao aperceber-se do início de circulação do veículo VV, reage, acionando o sistema de travagem. Neste instante encontra-se a 15,5 metros de distância do ponto de impacto. Durante estes metros a sua velocidade diminui sendo que colide na lateral do veículo VV à velocidade de 69,5 km/h. O risco de morte para os ocupantes do veículo VV é de 60%. A evolução da velocidade de circulação de ambos os veículos revela a imobilização do VV e posterior início de marcha. Pode ser ainda verificada a travagem do VA e as velocidades de embate de ambos os veículos, sendo de 69,5 km/h para o VA e de 19,5 km/h para o VV.
Se for considerada uma velocidade de circulação de 50 km/h para o veículo VA, e supondo ainda que este se encontra exatamente no mesmo local quando se inicia a travagem do que no cenário anterior, ou seja, a uma distância de 15,5 metros do ponto de impacto, a dinâmica da colisão é completamente diferente.
Assim sendo, a colisão entre os dois veículos nesta situação é muito ligeira, e ocorre para uma velocidade do veículo VA de 17 km/h e uma velocidade de 25 km/h para o veículo VV, note-se que devido à menor velocidade do VA, o VV tem mais tempo para acelerar, apresentando assim maior velocidade e a zona colidida neste veículo (VV) localiza-se junto à traseira, diminuindo ainda mais o risco para os ocupantes. Note-se ainda que a menor velocidade inicial do VA implica maior tempo para travagem e consequentemente uma maior diminuição da velocidade de embate. O risco de morte ou ferimentos graves para os ocupantes do veículo VV, para a velocidade de 17 km/h do veículo VA é nulo. Note-se que a alteração da velocidade dos veículos é muito ligeira, aquando da colisão, o que demostra que a energia envolvida na colisão é muito inferior ao caso anterior.
Nesta colisão típica entre veículos automóveis, em cruzamento em que existe necessariamente cruzamento entre veículos e um deles tem um sinal de STOP, a velocidade é preponderante para a ocorrência da colisão e nas consequências para os ocupantes dos veículos.
Por outro lado, a violação do limite de velocidade possibilita que mesmo que o condutor imobilize o seu veículo no sinal de STOP, poderá não ser possível avistar o veículo em excesso de velocidade, por este ainda estar muito afastado do seu campo de visão. A configuração do local da colisão tem, obviamente, grande influência e deve ser modelado criteriosamente no software utilizado.
Um condutor que tenha perda de prioridade num cruzamento e colida com outro veículo é sempre culpado do acidente? Não, a determinação das velocidades envolvidas e um estudo da visibilidade no local deve ser realizado.
Ricardo Portal
Investigador de Sinistros – icollision