Trump convence GM e Hyundai/Kia. Mas não a BMW
Vencedor das eleições de 8 de Novembro último, Donald Trump é hoje empossado, assumindo oficialmente funções, enquanto 45º presidente dos EUA. Mas, ao longo das últimas dez semanas, as declarações, as promessas e as ameaças do Presidente Eleito não só têm feito correr rios de tinta, como puseram em sentido vários actores da economia estadounidense.
No caso do sector automóvel, a retórica de Trump tem assentado, essencialmente, no objectivo de manter os postos de trabalho já assegurados pela indústria, e na criação de novos empregos através da abertura de novas unidades fabris no território, ou da deslocalização de outras já existentes noutras paragens. Para o conseguir, um dos seus principais argumentos tem sido a ameaça da criação de uma nova taxa de 35% para os automóveis importados, nomeadamente os provenientes do México (onde são vários os construtores que já detêm, ou pretendem construir, fábricas, por forma a tirar partido da sua proximidade face aos EUA e dos custos, nomeadamente de mão-de-obra, mais reduzidos). Instando os três “gigantes” de Detroit, a Toyota e a BMW a instalar fábricas nos EUA, e não no país vizinho, caso pretendam aí continuar a vender automóveis.
Perante isto, alguns construtores terão decidido rever a sua estratégia de investimentos para os próximos anos, como forma de aliviar a pressão de que têm sido alvo por parte do futuro presidente. O caso mais recente será o da GM, que acaba de anunciar, oficialmente, que vai investir mil milhões de dólares (cerca de 933 milhões de euros) na sua estrutura de produção dos EUA, como forma de criar ou manter 1500 postos de trabalho no país.
Ao mesmo tempo, o maior fabricante norte-americano fez saber que vai transferir a sua produção de eixos para pick-ups do México para o estado do Michigan, e que vai criar, pelo menos, 5000 novos empregos nos EUA ao longo dos próximos anos. Por esclarecer ficou quantos dos 1500 empregos prometidos serão novos face aos que seriam suprimidos caso este investimento se não realizasse.
Cerca de meia hora volvida sobre este anúncio, Trump aludia indirectamente à decisão tomada pela GM. E, como habitualmente, através da sua conta no Twitter: “Com todos os empregos que estou a trazer de volta para os EUA (ainda antes de tomar posse), com todas as novas fábricas de automóveis que estão a regressar ao nosso país, e com as massivas reduções de custos que negociei nas aquisições militares e outras, acredito que as pessoas estão a ver algo ‘em grande’”.
Realidade ou mera questão de marketing?
Recorde-se que este anúncio da GM surge apenas três dias após idênticas comunicações terem sido feitas pela Ford e pela FCA (Fiat Chrysler Automobiles), e a propósito das quais Trump, numa conferência com cobertura televisiva a nível nacional, não só elogiou estas empresas pela sua decisão (a Ford terá recuado na sua intenção de investir 1,5 mil milhões de euros na construção de uma nova fábrica no México, antes optando por expandir a sua unidade fabril do Michigan; a FCA prometeu investir 933 milhões de euros e criar 2000 postos de trabalho nas suas fábricas do Michigan e do Ohio), como referiu esperar que a GM seguisse o mesmo caminho. Mas há quem considere que nem tudo será o que parece, antes integrando uma estratégia de comunicação destinada a fazer face à postura do futuro presidente.
Alguns analistas afirmam, inclusivamente, que todas as decisões agora anunciadas pela GM, apesar de correctas na perspectiva da gestão, estavam a ser preparadas há muito, e mais não configuram do que o prosseguimento da política que a empresa já vinha adoptando nos últimos anos. Assim, a única novidade residirá, segundo esta teoria, na “agressividade” da comunicação, que assim passa a desempenhar o seu papel no ciclo “noticioso” criado pelos tweets do agora presidente.
Só que as novidades neste capítulo também vêm de outras atitudes. Em Seul, Jin-haeng, presidente da Hyundai Motor (que abarca as marcas Hyundai, Kia e Genesis), anunciou que a companhia irá investir nos EUA 2,9 mil milhões de euros nos próximo cinco anos – ou seja, mais 50% do que investiu no país nos cinco anos anteriores. O conglomerado sul-coreano está a ponderar construir uma nova fábrica em território norte-americano, e pode mesmo vir a aí produzir os modelos da Genesis e um novo SUV especificamente desenvolvido para o mercado local. Para além de que 30% a 40% deste montante será destinado ao desenvolvimento de novas tecnologias, mormente à condução autónoma e a veículos ambientalmente compatíveis.
Por seu turno, a Toyota já tinha feito saber, por ocasião do Salão de Detroit, pretender investir qualquer coisa como 9,3 mil milhões de euros nos EUA, também nos próximos cinco anos. A verba destinar-se-á à construção de uma nova sede, no Texas, e à expansão das suas fábricas instaladas nos EUA. Mais uma vez aqui, os responsáveis da marca reiteram não existir uma ligação directa entre a decisão tomada e as posições de Trump, mas há que reconhecer que o momento da comunicação é, no mínimo, bastante oportuno…
Uma excepção chamada BMW?
Ao arrepio de todas as movimentações, a BMW afirma não ter qualquer pretensão de alterar os seus planos de construir de uma nova fábrica no México, em que investirá 933 milhões de euros para aí produzir, a partir de 2019, a nova geração do Série 3. A marca alemã refere, mesmo, estar totalmente empenhada em ver terminada a construção da sua fábrica de San Luis Potosi, de onde sairá a versão do seu familiar médio destinado aos mercados da América do Norte.
A propósito das ameaças de Donald Trump, a casa de Munique lembra que é já o maior exportador de automóveis, em termos de valor, dos EUA. A sua fábrica da Carolina do Sul é a única, em todo o mundo, em que são produzidos todos os membros da família X à excepção do X1 (X3, X4, X5 e X6), das suas linhas de montagem saindo anualmente cerca de 360 mil unidades destes modelos, boa parte das quais sendo exportadas para mais de 140 países.
Agora, resta saber quem levará a melhor neste “braço de ferro” entre Donald Trump, e a sua nova visão proteccionista da economia, e a indústria automóvel. E quais as consequências do que venha a ser o resultado final.
Alguns especialistas alertam para o facto de o presidente norte-americano não necessitar da aprovação do congresso para impor uma taxa de até 15% sobre os produtos importados durante 150 dias, e que uma reversão de uma hipotética taxa de 35% permanente (já dependente da aprovação do congresso) poderá levar, nos tribunais, cerca de 18 meses. E se alguns vão fazendo fé que esta última não chegará a materializar-se, pelas posições anti-proteccionistas assumidas por vários congressistas republicanos, convirá não menosprezar a influência que o presidente poderá ter na respectiva reeleição (as próximas eleições estão marcadas para 2018), caso decida criticar feroz e abertamente as suas posições. O que não seria, de todo, de estranhar em Donald Trump…