Veículos eléctricos e poluição
Um dos argumentos várias vezes referidos em favor dos veículos eléctricos é que são limpos, quer em termos de poluentes locais (monóxido de carbono, hidrocarbonetos não queimados, óxidos de enxofre e partículas), quer em termos de CO2. Dado que a electricidade usada para mover o veículo (bem como a gasolina e gasóleo) não é produzida localmente, para correctamente avaliar o impacto de cada tecnologia é necessário fazer o que chama de análise de ciclo de vida, onde todo o processo de extracção de matérias primas, processamento, transporte e armazenamento é contabilizado.
Não é objectivo deste artigo entrar em detalhes sobre este processo de cálculo, pelo que vou recorrer a alguns números fornecidos pela minha colega Patrícia Baptista, em particular para o CO2. Mas antes de irmos a este gás de efeito de estufa vamos primeiro olhar um pouco para os poluentes locais. Aqui a vantagem do veículo eléctrico é incontestável, pois a emissão local é zero. Claro que a produção da electricidade consumida, que inclui uma grande componente de centrais térmicas a gás ou a carvão, vai emitir poluentes, mas esta emissão vai ocorrer bem longe dos centros urbanos onde é mais crítica.
Mas voltando agora ao CO2, qual vai ser a emissão por km de um veículo eléctrico? E a resposta é, depende. Depende como é óbvio do mix de produção que inclui centrais térmicas, hídricas e outras renováveis. Mas depende também de uma outra consideração mais conceptual. Como a cada instante (a cada hora, dia, mês ou ano) o mix de produção varia, torna-se extremamente complexo (impossível?) estimar o valor real durante o carregamento do veículo (na realidade até varia durante o carregamento), pelo que nos sobram 3 hipóteses:
1. Vou ser optimista e considero que o veículo está sempre a ser carregado com a electricidade mais limpa (renovável) pelo que a sua emissão de CO2 será sempre zero. Pode ser conveniente para algum tipo de argumentação mas claramente não é realista.
2. Na ausência de melhor informação vou considerar que a cada carregamento o mix de produção corresponde à média anual. Neste caso os dados mais recentes para Portugal dão cerca de 295 gramas de CO2 por kWh produzido, o que para um consumo de electricidade típico de um veículo de 0.16 kWh/km dá cerca de 47 g/km de CO2 para um veículo eléctrico. Quando comparamos com as 160 g/km de um automóvel Diesel a gastar 6 l/100 km não está nada mau. Esta abordagem é das mais usadas para comparações de frotas a longo prazo.
3. Na realidade, quando é introduzido um consumo adicional de electricidade na rede, não é correcto considerar que este vai corresponder à média do sistema produtor (e aqui vou socorrer-me dos conceitos apresentados numa palestra a que assisti recentemente pelo Professor Jeremy Michalek), uma vez que as diferentes formas de produção de energia têm diferentes prioridades de entrada na rede. No caso português, as renováveis têm prioridade e, juntamente com o carvão e algumas hídricas constituem o chamado baseline. Quando são introduzidos consumos adicionais (como será o caso do carregamento do nosso veículo eléctrico), estes vão ser produzidos por centrais que têm capacidade de resposta mais rápida a variações de consumo, como seja o gás natural, algumas hídricas ou mesmo importação. Se no caso da hídrica a emissão vai continuar a ser zero, caso a produção seja a partir de gás natural então a emissão de CO2 do nosso veículo eléctrico já vai ser da ordem dos 88 g/km. Ainda muito bom comparado com Diesel mas quase o dobro do valor anterior. Na pior situação possível, em que a electricidade adicional provenha de centrais de carvão a emissão é de 157 g/km, quase o mesmo que o Diesel.
A estes valores devem ser ainda adicionadas as emissões resultantes da produção e desmantelamento dos veículos que, sendo bastante inferiores às emissões resultantes da utilização, não deixam de ser bastante superiores para os veículos eléctricos em comparação com os convencionais.A conclusão que quero deixar é esta: se os veículos eléctricos têm incontestáveis vantagens ambientais, é preciso ter algum cuidado quando se estimam as suas reais vantagens, especialmente quando temos situações como em Portugal em que as fontes de electricidade mais limpas já estão à partida plenamente utilizadas para outros consumos.
Gonçalo Gonçalves
Coordenador do laboratório de veículos e propulsão do DEM-IST