Warm up
Em Maio de 2014, num outro espaço de opinião idêntico, falava-vos sobre os parcos progressos no desenvolvimento das aeronaves comerciais, no que à rapidez e autonomia diz respeito, registados nas últimas quatro décadas.
O transporte aéreo é, por definição, o privilegiado para as médias e longas distâncias, à escala global, por necessidade de rapidez. Comentava então que depois do Concorde de 1963, cujo primeiro voo foi em 1969 “…em mais de um século da história da aviação, com todas as tecnologias e recursos hoje disponíveis……nunca mais houve uma iniciativa que… nos coloque em Pequim em 2 ou 3 horas”.
Foi assim com enorme expectativa que me cruzei com o anúncio por parte da Airbus do registo de patente para uma aeronave hipersónica, efetuado há umas semanas. Desta vez falou-se em Mach 4,5 ou seja uns 5508 km/h, ou 2,5 vezes mais veloz que o Concorde, quando em velocidade de cruzeiro, sobre a água.
Isto significaria que a ligação aérea entre Londres e NY, hoje realizada em cerca de sete horas, poderia vir a demorar pouco mais de uma hora. Significa então que os mais de 12 mil quilómetros entre Lisboa e Pequim poderão vir a ser realizados em pouco mais de 2 horas?
Lamentavelmente julgo que não. Não acredito que seja desta que o Concorde será substituído ou ultrapassado na história da aviação comercial. Desde logo, porque ao pretender-se alcançar um objetivo tão ambicioso, não se pode pensar em concretizá-lo com a mera incorporação, ainda que de forma diversa, de soluções maduras. É necessário bastante mais, no plano conceptual e experimental.
Ainda que este projeto tenha alguns aspetos inovadores – por exemplo, a barreira do som é ultrapassada na vertical fazendo com que a onda de choque criada se dissipe na horizontal e não na vertical, como acontecia com o Concorde (facto muito limitativo e responsável por este avião ter sido apenas autorizado a voar em supersónico sobre o mar o que correspondeu grosso modo a 1/3 do total das horas voadas durante a sua vida) – os restantes tratam de combinar soluções relativamente rudimentares, não existindo disrupção filosófica e/ou tecnológica. Por outro lado e apesar da “vindima ainda não ter acabado”, não me parece economicamente viável considerando os modestos 9000 kms de autonomia, a capacidade para apenas 20 passageiros e três toneladas de carga (total de 5 tons) – recorde-se que o Concorde transportava 120 passageiros e tripulantes (na sua ultima configuração) num total de quase 14 toneladas.
Contudo acredito que o registo desta patente, num sector culturalmente tão competitivo, irá despertar, aguçar o engenho e turbinar a energia do mais direto concorrente da Airbus, a Boeing. De facto, parece que o warm up começou e acredito que ainda nesta década, de um ou de outro, teremos uma surpresa que nos permita sonhar e lá para 2030, ir tranquilamente a Pequim, ver o show acrobático no Chaoyang Theatre e regressar a casa, nessa mesma noite.
Mário Lopes